sexta-feira, 22 de agosto de 2003
O Globo
Governo dorme no ponto e votação
da reforma tributária é adiada para hoje
Catia Seabra e Valderez Caetano
BRASÍLIA. Depois de dormir no ponto e, por falta de representantes
na manhã de ontem, sofrer uma derrota na comissão especial
da reforma tributária, o governo despertou para os riscos e tentará
mais uma vez, na manhã de hoje, aprovar o relatório de Virgílio
Guimarães (PT-MG).
A ausência dos governistas permitiu que o PFL e o PSDB usassem
uma manobra regimental - a oposição não assinou a
lista de presença - para tentar adiar a votação na
comissão especial para a próxima terça-feira. Em
reação, o governo quis forçar a votação
diretamente no plenário.
Após quase quatro horas de tensa negociação e até
ameaça de dissolução da comissão, os governistas
começaram ontem mesmo a substituir os deputados que ameaçavam
o projeto. Pressionados pelo governo federal e pelo governador Aécio
Neves (PSDB), os deputados do PTB de Minas - Ronaldo Vasconcelos e José
Militão - deixaram a comissão.
"Quem quer vencer tem que botar gente na comissão"
Na reunião, acompanhada pelo chefe da assessoria parlamentar da
Casa Civil, Waldomiro Diniz, o governo defendia a idéia de que,
cumpridas as 40 sessões exigidas para a votação da
reforma, o presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP),
avocasse a discussão para plenário, extinguindo a comissão.
Mas a comissão tinha aprovado um requerimento de prorrogação
de seus trabalhos por mais 20 sessões (e ontem ainda faltavam 17
delas), João Paulo se recusou a aceitar, enfrentando o governo.
- Isso foi golpe, foi antiético - queixou-se o líder do
governo Aldo Rebelo (PCdoB-SP) na reunião, referindo-se ao fato
de o presidente da comissão, Mussa Demes (PFL-PI), ter presidido
a sessão sem assinar a lista de presença, usada como prova
de que não havia quórum para abri-la.
- Não vejo nada de antiético nisso. É tática.
Quem quer vencer tem que botar gente na comissão - disse João
Paulo, que negociou com o PFL. Irritado com a ameaça de destituição
de Mussa Demes da presidência, o PFL ameaçava votar contra
a reforma da Previdência na terça-feira.
Atendendo aos líderes, Mussa Demes confirmou em plenário
a sessão para hoje. Mas ironizou:
- Marquei para 10h para que os aliados acordem a tempo.
Com o fim da sessão, começou um forte embate entre governo
e oposição.
- Isso é golpe, isso é golpe. O Congresso não pertence
ao PFL mas ao Brasil! - gritava o vice-líder do governo, Professor
Luizinho (PT-SP).
- O PT não vai passar o rolo compressor, aqui tem regimento! -
rebatia Antonio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA).
- Calma Professor Luizinho! Nosso povo dormiu demais. Temos que comprar
20 despertadores para eles - intercedia Paulo Bernardo (PT-PR).
Tributaristas: reforma não desonera produção
Alexandre Rocha
Especial para O GLOBO
SÃO PAULO. Ao contrário do que diz o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, a proposta de reforma tributária encaminhada à
Câmara não vai desonerar a produção, segundo
tributaristas. Diferentemente do que diz o governo, os especialistas afirmam
que há risco real de aumento da carga tributária.
O tributarista Ives Gandra Martins afirma que a reforma cria instrumentos
que vão permitir o aumento, onerando ainda mais a produção:
- Está claríssimo que quem vai pagar essa conta somos nós,
os contribuintes.
Os tributaristas entendem que o real objetivo da reforma, da forma como
está proposta no relatório do deputado Virgílio Guimarães
(PT-MG), é garantir a arrecadação estatal.
- Há por parte do governo uma forte preocupação
com o seu orçamento e a manutenção da receita tributária
- afirmou o advogado Marcelo Fortes, que atua como juiz no Tribunal de
Impostos e Taxas de São Paulo.
Especialistas defendem fim da cumulatividade da Cofins
Os especialistas defendem o fim da cumulatividade da Cofins para desonerar
o setor produtivo mas temem que até isso seja usado pelo governo
para aumentar a carga tributária. Lembram que o mesmo foi feito
com o PIS no fim do ano passado e que o que se observou foi um aumento
da alíquota do imposto. Segundo o tributarista Raul Haidar, isso
representou um aumento de 40% na arrecadação desse tributo
no primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período
de 2002. O fim da cumulatividade da Cofins, afirmam, não poderia
levar a um aumento de alíquota.
Outro ponto criticado pelos tributaristas é a possibilidade de
a cobrança do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias
e Serviços (ICMS) passar da origem para o destino.
- Se o estado de origem perder receita, onde é que vai buscar
a compensação? Na prática o governo terá de
compensar isso com aumento da carga tributária - afirma Ives Gandra.
Um dos únicos pontos elogiados foi a unificação
da legislação do ICMS, com a fixação de apenas
cinco alíquotas nacionais. O tributarista Mário Morando,
porém, alerta que isso não será suficiente para acabar
com a guerra fiscal porque existem outros tipos de incentivos que podem
ser dados pelos estados. Além disso, ele criticou o prazo de dez
anos, que julga muito longo, para o fim dos incentivos em vigor.
- O estado pode não dar isenção no imposto, mas
pode dar um terreno à empresa, fazer a terraplanagem e fazer chegar
água, luz e telefone em sua porta - diz Morando.
Haidar, Ives Gandra e Morando criticaram também a progressividade
do imposto de herança. Para Ives Gandra, ele poderá onerar
a transferência de ações de empresas para os sucessores.

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