segunda-feira, 25 de agosto de 2003
O Globo
Reforma atinge mais as futuras servidoras
Isabel Braga e Adriana Vasconcelos
BRASÍLIA. Se atualmente as servidoras públicas têm
a vantagem de se aposentar cinco anos mais cedo que os homens, depois
que o Congresso aprovar a reforma da Previdência essa vantagem vai
pesar no bolso das futuras servidoras. O texto aprovado em primeiro turno
na Câmara aumenta a idade mínima para a aposentadoria no
serviço público, mas mantém como regra que as mulheres
terão que contribuir por 30 anos e se aposentar aos 55 anos de
idade, enquanto os homens são obrigados a contribuir por 35 anos
e a trabalhar pelo menos até os 60 anos.
Essa diferença será crucial porque obrigará a futura
servidora a contribuir com um valor maior para a previdência complementar
quase o dobro dos homens se quiser que sua aposentadoria
seja igual ao salário da ativa. Além de cinco anos a menos
de contribuição, a servidora se aposenta antes e terá
menos idade no momento da aposentadoria.
Para se ter uma idéia, um auditor fiscal da Receita Federal chega
ao fim de carreira recebendo R$ 7. 510,54. Descontados os R$ 2.400 que
são pagos pelo sistema público, faltariam R$ 5.110,54 para
a aposentadoria integral, vantagem de que dispõem os atuais servidores.
Para manter a renda da ativa, o futuro servidor poderá optar por
contribuir para o Fundo de Previdência Complementar.
Previdência complementar requer lei ordinária
Simulações feitas a pedido do GLOBO pela J. Galhardo Consultoria
em Benefícios e Atuária mostra que esse auditor teria que
arcar com uma contribuição mensal de R$ 475,41, enquanto
uma mulher no mesmo cargo teria que desembolsar R$ 739,15. As simulações
consideraram que estes servidores ingressariam na carreira pública
aos 25 anos de idade e se aposentariam com 60 anos e 55 anos respectivamente.
Os cálculos não consideraram o fato de que, se a União
criar a previdência complementar, a contribuição será
de um para um. Isto significa que, para cada real aplicado pelo servidor,
a União aplicará um real no fundo. Embora a emenda da reforma
previdenciária estabeleça o teto de R$ 2.400 para as aposentadorias,
a instituição de um regime de previdência complementar
é facultativa e só se dará se aprovada lei ordinária.
Cada ente federado (União, estados e municípios) terá
que enviar ao legislativo respectivo uma lei ordinária criando
o fundo complementar. Até que a lei seja promulgada, vale a regra
da média das contribuições do servidor, sem o corte
do teto de R$ 2.400.
O novo sistema, que incluirá a previdência complementar
no serviço público, também poderá trazer problemas
para os servidores que ingressarem ganhando menos que o teto de R$ 2.400,
mas terminarem a carreira com salário acima desse valor. A recomendação
de especialistas é para que esses servidores comecem a contribuir
para o fundo o quanto antes, para evitar desembolso de quantias muito
elevadas no período que antecede a aposentadoria.
Para especialistas, texto precisa de alterações
As regras de funcionamento do fundo de previdência complementar
definirão se será possível um servidor que ganhe
menos que R$ 2.400 contribuir preventivamente. De acordo com técnicos
do Ministério da Previdência, teoricamente, a União,
os estados e municípios só estariam obrigados a contribuir
paritariamente no caso de servidores que recebam acima de R$ 2.400.
A expectativa é de que a lei que regulamentará os fundos
estabeleça que o cálculo do benefício público
seja feito com base nas 80 melhores remunerações a partir
de julho de 1994. Isso pode significar que se uma pessoa não contribuiu
a vida toda com 11% sobre os R$ 2.400, mesmo que no momento da aposentadoria
tenha salário superior a este, não receberá como
benefício o teto garantido por lei.
Especialistas em previdência avaliam que a emenda aprovada na Câmara
traz avanços para o sistema, mas deveria ter alteração
de redação na votação em segundo turno que
evitasse problemas futuros. Para Marcelo Estevão, ex-secretário
de Previdência Social do governo Itamar Franco e do governo Fernando
Henrique Cardoso até 1999, a idéia de que a previdência
complementar dos servidores será pública traz prejuízos
aos contribuintes do fundo.
Se a natureza do fundo é pública, significa dizer
que ele não pertence aos contribuintes, mas ao estado, que poderá
geri-lo como bem quiser. E num fundo complementar a gestão é
tudo: se for mal gerido, os benefícios podem virar pó. É
uma maluquice doutrinária, é filhote de jacaré com
cobra-d'água.
O presidente do Sindicato dos Servidores do Legislativo (Sindlegis),
Ezequiel Nascimento, também condena a definição de
que os fundos previdenciários dos futuros servidores serão
públicos. Ele lembra que já há fundos estaduais e
municipais públicos com sérios problemas de administração.
Sou contra o fundo previdenciário, mas uma vez existente
não pode ser público. É uma entidade privada. Do
jeito que ficou, é mais uma cafajestada política
afirmou.
Previdência gera
cidadania, diz secretário
Vivian Oswald
BRASÍLIA. Das cem cidades brasileiras com maior Índice
de Desenvolvimento Humano (IDH) indicador que mede a qualidade
de vida da população 88 recebem mais recursos da
Previdência do que o repasse que é feito pela União
para as prefeituras. Dos cem municípios com os piores IDHs do Brasil,
apenas 22 recebem mais dinheiro de benefícios previdenciários
do que dos repasses do governo federal. Essa constatação
está no livro sobre os efeitos do pagamento do INSS na vida da
população, que está sendo lançado pelo secretário-executivo
do Ministério da Previdência, Álvaro Solon de França,
especialista em exclusão social.
Depois de percorrer vários municípios brasileiros, França
concluiu que o atendimento bancário e o acesso aos recursos da
Previdência dão cidadania às pessoas.
Não tenho dúvida de que o benefício previdenciário
é uma das melhores políticas públicas que existem.
Sem ele, estaríamos na barbárie social. Ele dá cidadania
e dignidade às pessoas disse o secretário.
Isso acontece porque os recursos da Previdência são entregues
diretamente às pessoas, que investem na sua qualidade de vida.
Os repasses da União chegam à população por
intermédio das administrações municipais. O que não
é vinculado acaba tendo outra destinação que quase
sempre não é a mais necessária para as pessoas.
Em suas andanças, o secretário descobriu que, em várias
cidades do Nordeste do país, os idosos são disputadíssimos
por toda a família. Todos querem ter em casa aqueles que têm
um salário líquido e certo a cada fim de mês.
Vi lugares em que os parentes fazem um rodízio com os idosos.
Eles passam três meses com cada um disse.
É com o dinheiro que chega pelos correspondentes bancários
nos municípios mais longíquos do Brasil que as pessoas conseguem
melhorar de vida. Elas compram geladeira, fogão, antenas parabólicas
e até mesmo fazem uma reforma. Os aposentados têm outro status
nas cidades. Eles são os donos do dinheiro, segundo França.
Eles têm renda, poupança e crédito. Compram
fiado e são avalistas para quem quer comprar fiado. Eles são
os clientes do comércio disse.
Em Solidão, mercado está na Feira dos Aposentados
Em Solidão, no interior de Pernambuco, a vida econômica
da cidade gira em torno de mulheres e aposentados. A seca leva os homens
à busca de trabalho. Por essa razão, mais do que nunca são
os aposentados que bancam as famílias.
A feira da cidade se chama Feira dos Aposentados afirmou.
Segundo o secretário, o dinheiro que vem da aposentadoria no fim
do mês garante inclusive independência em relação
à influência do coronelato em algumas cidades do país.
Os cidadãos não precisam mais votar no candidato que mais
o ajuda.
Conversei com uma aposentada na fila do correspondente bancário
em uma cidadezinha do Piauí e perguntei como ela se sentia recebendo
a aposentadoria. Ela disse que era a sua independência e que não
precisaria mais ficar se humilhando para conseguir remédios
disse.
Falta de banco deixa
microempreendedores à margem
BRASÍLIA. A expansão do atendimento bancário às
regiões que não têm acesso a este serviço deve
ajudar a população de baixa renda a obter pequenos financiamentos
e, com isso, aumentar seus rendimentos e acelerar a economia do país.
Pelo mesmo mapeamento, constata-se que existem hoje no país 14
milhões de pequenas unidades produtivas que são potenciais
tomadoras de microcrédito. A grande maioria delas é formada
por trabalhadores por conta própria. Levantamento do Banco Central,
publicado ontem no GLOBO, mostrou que há 1.674 cidades no Brasil
cerca de 30% do total de municípios brasileiros que
não contam com agência bancária.
Existe uma estimativa de que seis milhões de pessoas, dos 14 milhões,
têm uma demanda efetiva por recursos da ordem de R$ 11 bilhões.
O valor parece grande, segundo o estudo do BC, mas corresponde a apenas
1% do PIB.
O documento mostra que, apesar da quantidade de empregos que pode gerar,
os microempreendedores perdem oportunidades de crescer com segurança
(com crédito e recursos que poderiam poupar) por não terem
acesso ao sistema financeiro. Estima-se que essas pessoas sem acesso a
banco correspondem a 80% dos microempreendedores nos países subdesenvolvidos.
É o caso dos microempresários da pequena Ewbanck da Câmara,
em Minas Gerais, sem banco desde 1994. Andréa Elisandra de Oliveira,
dona da Mercearia Avenida, espera a visita da gerente da Caixa Econômica,
da cidade vizinha Santos Dumont, para aprovar um empréstimo. Ela
está mudando a mercearia para um espaço maior, mas, para
isso, precisa do financiamento:
Se a agência fosse aqui. Tudo seria mais fácil
afirma.
Há pouco mais de um mês, o presidente Lula anunciou um pacote
de medidas para estimular o microcrédito que prevê linhas
de financiamento de até R$ 500 para as pessoas físicas e
até mil reais para os pequenos empreendedores. Os juros também
são mais baixos do que das instituições financeiras
ou dos agiotas. ( Vivian Oswald e Cássia Almeida )

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