terça-feira, 26 de agosto de 2003

O Globo

Governo tentará votar as duas reformas hoje
Adriana Vasconcelose Bernardo de la Peña

BRASÍLIA. Ainda embalado pela aprovação do relatório do deputado Virgílio Guimarães (PT-MG) na sexta-feira, o governo acreditava ontem ter fôlego suficiente para votar os destaques da reforma tributária na comissão especial hoje de manhã e, no fim do dia, enfrentar o segundo turno da reforma da Previdência no plenário da Câmara. A idéia dos líderes governistas é abrir as negociações em torno da reforma tributária a partir de amanhã, aproveitando a reunião entre o presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), e os 27 governadores.

Apesar da decisão, os líderes governistas não arriscavam ontem um prognóstico sobre o número de votos que o governo terá em cada uma das votações. E temem que a obstrução do PFL possa atrasar a conclusão da votação.

Governo aceita prorrogar incentivos da Zona Franca

Ontem à noite o chefe da Casa Civil, José Dirceu, se reuniu com os líderes governistas para traçarem as últimas estratégias. Uma das decisões é não melindrar os partidos da oposição, PFL e PSDB, na votação da reforma tributária, para não contaminar a votação do segundo turno da Previdência, à noite.

O vice-líder Vicente Cascione (PTB-SP) informou que na reunião com Dirceu ficou acertado que os destaques apresentados pela base serão retirados da votação. Segundo ele, a única mudança no texto aprovado pela comissão especial será feita por emenda aglutinativa para prorrogar por dez anos a possibilidade de serem concedidos incentivos fiscais na Zona Franca de Manaus.

A emenda será assinada por todos os líderes. Segundo o deputado, a decisão é do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que é o autor da proposta e tem o direito de modificá-la.

Por sugestão do líder do governo na Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), os demais líderes da base aliada deverão fazer um apelo ao PDT para que o partido cumpra o acordo fechado para a votação do segundo turno da reforma da Previdência. O apelo deverá ser dirigido ao líder do PDT, deputado Neiva Moreira (MA), que, seguindo decisão do diretório nacional do partido, já elaborou um destaque para tentar estabelecer um teto único para os servidores públicos federais, estaduais e municipais.

Outro problema que os líderes governistas enfrentarão nas votações de hoje será a tentativa de obstrução comandada pelo PFL.

— Sou pessimista. Não é fácil resolver tudo amanhã (hoje). Só se algemarem o Rodrigo Maia (vice-líder do PFL) e o ACM Neto — ironizou o líder do PT, Nelson Pellegrino.

— Se melar de manhã a tributária, ou se ficar para ser negociada ao longo do dia, deixamos a Previdência para quarta ou quinta — disse Cascione.

Reforma será fatiada se não passar até 30 de setembro

O deputado admite também a possibilidade de o governo ter de votar de maneira fatiada a prorrogação da CPMF e DRU ainda na Câmara, para evitar o risco de a União ficar sem a contribuição no ano que vem:

— Pode fatiar. Se não der para votar até o dia 30 de setembro, temos (de votar separado), por causa do tempo — afirmou o petebista.

O vice-líder do governo, Professor Luizinho (PT-SP), evitou ontem, antes da reunião com Dirceu, arriscar um palpite sobre a data provável para a votação do primeiro turno da reforma tributária.

— Isso só vamos marcar depois da rodada de negociações que nos comprometemos a fazer — desconversou.

O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), acredita que é possível votar a reforma da Previdência no Senado até outubro, prazo com o qual trabalha o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo Sarney, os senadores podem trabalhar com os prazos regimentais mínimos e aprovar de forma ágil a reforma da Previdência.

— Há o interesse geral de votar imediatamente esse assunto. Sem qualquer açodamento, mas acredito que, sendo o desejo do país, de todos nós, a reforma será votada — afirmou Sarney.
COLABOROU Isabel Braga

Nordeste disposto a medir forças
Catia Seabra e Toni Marques

BRASÍLIA e RIO. Insatisfeitos com o relatório da reforma tributária, governadores do Nordeste chegam hoje a Brasília dispostos a dar uma demonstração de força ao governo: um exército de 151 deputados federais. Reunidos hoje na Câmara, governadores e deputados vão pressionar para tentar negociar mudanças no texto da reforma que será votada na comissão especial da Câmara.

A idéia é apoiar a conclusão da votação na comissão especial só se o governo concordar em atender a pelo menos parte de suas reivindicações no plenário.

— Não queremos criar dificuldades para o governo, mas não podemos caminhar sorrindo para o matadouro. O relatório acaba com a federação e estou preocupado com essa ditadura branca — disse o governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima (PSDB).

Coordenador da bancada do Nordeste, o deputado Roberto Pessoa (PL-CE) explica que o encontro nasceu da insatisfação generalizada entre os nordestinos. Por isso, senadores e prefeitos também foram convidados.

— O relatório não atende em nada aos interesses do Nordeste. Como convergimos, vamos também nos unir com as bancadas do Norte e do Centro-Oeste — diz Pessoa, explicando que a idéia da reunião foi proposta pela própria bancada.

Partilha da Cide pode causar briga entre regiões

A aliança dos estados do Centro-Oeste, do Norte e do Nordeste pode ter uma primeira briga contra os do Sudeste na discussão da partilha da Cide. Pela minuta apresentada ontem pelo governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), a distribuição de metade dos recursos da Cide dependeria da malha viária de cada estado. Outros 50% seriam destinados de acordo com o lugar onde o combustível foi comprado.

Aécio adiantou que a proposta é que 25% da arrecadação da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) vá para os estados, para investimento em infra-estrutura viária, incluindo hidrovia, ferrovia e metrô.

— Envio hoje (ontem), conforme havia acertado com o ministro José Dirceu, uma minuta da medida provisória que atende ao entendimento formatado pelos governadores representantes das cinco regiões e que possibilitarão que os recursos da Cide possam ser investidos pelos estados e municípios em infra-estrutura viária. Por mais que não atenda na totalidade a esse ou àquele estado, atende, em média, a todos — disse Aécio.

Os governadores dos estados de menor peso econômico, no entanto, acham que os grandes beneficiados serão Minas e São Paulo.

— Assim, está péssimo. Só será bom para Minas e São Paulo — reclamou Eduardo Braga (PPS-AM).

Amanhã os 27 governadores se reúnem em Brasília com o presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP) , e os líderes do governo, para uma tentativa de atuação articulada para enfrentar o governo no Congresso durante a votação da reforma tributária.

PFL vai dificultar votação


BRASÍLIA. O PFL, maior partido de oposição ao governo, ameaça dificultar hoje a vida dos governistas durante a votação na comissão especial dos 250 destaques da reforma tributária. Os pefelistas vão insistir na apreciação de cada destaque em separado. Ontem, o presidente do partido, senador Jorge Bornhausen (PFL-SC), divulgou um comunicado no qual denuncia que 11 pontos da reforma sugerem aumento da carga tributária, entre eles, a cobrança do ICMS sobre telecomunicações e internet e a taxação das importações pelas contribuições sociais.

— A reforma é um retrocesso, demonstra imediatismo e desejo do governo de fazer caixa — disse Bornhausen.

O líder do governo na Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), rebateu as críticas do PFL quanto ao aumento de carga no projeto da reforma tributária dizendo que a proposta foi feita pelos governadores e pelo presidente Lula e seu objetivo é desonerar o setor produtivo, os produtos de consumo popular e da cesta básica.

No “Comunicado ao povo brasileiro” divulgado ontem pelo PFL, o partido sustenta que o relatório de Virgílio Guimarães (PT-MG) é uma versão aumentada e piorada do texto enviado pelo presidente Lula. Segundo o PFL, a base do governo na comissão especial foi construída pela traição: o governo conseguiu substituir 23 parlamentares da comissão, o que garantiu a vitória do relatório na íntegra.