quarta-feira, 27 de agosto de 2003
O Globo
'Companheiros corporativistas'
Eliane Oliveira
Enviada especial CARACAS
No dia em que o governo foi obrigado a adiar a votação
em segundo turno da reforma da Previdência na Câmara por causa
da pressão do PFL e do PSDB, que fazem severas críticas
à reforma tributária que estava sendo votada na comissão
especial, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou ontem
os parlamentares da base aliada que votaram contra as propostas do governo,
chamando-os de corporativistas.
Na votação da reforma previdenciária em primeiro
turno, três parlamentares do PT votaram contra o texto apresentado
pelo governo, que atinge os servidores públicos, e outros oito
se abstiveram.
Na base aliada, 56 deputados votaram contra o governo na votação
do texto-base da reforma da Previdência, enquanto na oposição
62 do PFL e do PSDB disseram sim à proposta do Planalto, o que
garantiu a aprovação.
"Nunca aceitei rótulo de esquerda"
Ao lado do presidente venezuelano, Hugo Chávez, Lula fez questão
de dizer que rejeita o rótulo de esquerdista e destacou que, na
votação das reformas, tem tido apoio tanto da esquerda quanto
da direita.
- Fizemos uma reforma da Previdência justa moralmente, eticamente
e economicamente. Essa reforma precisava ser feita por alguém que
tivesse coragem, e eu tive. Alguns companheiros muito corporativos não
têm coragem de votar contra a corporação. É
sempre fácil começar uma greve, mas difícil terminá-la
- criticou Lula, referindo-se à paralisação dos servidores
públicos, iniciada em 8 de julho. Muitas categorias racharam e
já voltaram ao trabalho, mas ainda há setores que estão
de braços cruzados para tentar pressionar a base aliada e o governo
contra a reforma.
Mais uma vez repreendendo os deputados que estão se rebelando
contra a orientação de seus partidos, Lula afirmou:
- Certa vez me perguntaram se sou comunista. Eu respondi que era torneiro
mecânico. Nunca aceitei o rótulo de esquerda - disse o presidente.
"Governo ensina a arte da democracia"
Perguntado sobre o que pensa de ser elogiado atualmente pelas elites
e criticado por setores de esquerda, o presidente afirmou que qualquer
forma de elogio o deixa satisfeito. Ele contestou aqueles que o criticam
por negociar com o empresariado e com setores conservadores, dizendo que
entrou para a política negociando com os empresários e convivendo
na adversidade.
- Sempre fico satisfeito quando as pessoas me elogiam. Fui tão
criticado em minha vida que quem me faz elogios hoje me deixa feliz. E
sempre vai ter gente contra as reformas, da direita e da esquerda. Não
sei se houve um fenômeno na votação da Previdência,
porque tinha ultraesquerda batendo palmas para a ultradireita, que votava
contra a reforma. E também tinha gente de esquerda votando com
a direita - afirmou Lula.
Segundo ele, o cenário político que descreveu não
chega a ser um fenômeno absurdo, mas sim o exercício da democracia:
- O governo está ensinando a muita gente que estudou muito e que
talvez não saiba colocar em prática a arte da democracia
- disse.
Ainda se referindo aos setores mais conservadores da sociedade brasileira,
o presidente voltou a dizer que, quando venceu as eleições,
as elites temiam o pior para o Brasil, o que não aconteceu.
Oposição obriga governo
a adiar a votação da Previdência para hoje
Isabel Braga e Ilimar Franco
BRASÍLIA. O governo bem que tentou, mas não conseguiu evitar
a contaminação da votação da reforma da Previdência
pela divergência na votação da reforma tributária.
A oposição aproveitou-se da fragilidade da base aliada e
obrigou o governo a transferir para hoje a votação, em segundo
turno, da emenda da Previdência na Câmara. Precisando dos
votos do PSDB e do PFL, que estão obstruindo a votação
da reforma tributária na comissão especial, o governo não
quis arriscar a votar o segundo turno da reforma previdenciária.
Nem mesmo os votos dos oito deputados petistas que se abstiveram no primeiro
turno os governistas conseguiram virar. Os líderes do PFL e do
PSDB querem pressionar o governo a negociar pontos da tributária
antes de ajudarem a aprovar a mudança na Previdência. O presidente
da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), chegou a abrir a sessão
para votar a proposta no fim da tarde de ontem, mas diante da pressão
da oposição e do baixo quórum, adiou para hoje:
- É preciso ter prudência para votar uma matéria
dessa magnitude. Por isso, tomei todos os cuidados para que não
tenhamos surpresas. É um risco que não precisamos correr.
O líder do PSDB na Câmara, Jutahy Júnior (BA), justificou
a decisão do PSDB de obstruir ontem a votação da
Previdência como uma forma de alertar a sociedade para os problemas
de mérito da proposta tributária do governo:
- É importante que a sociedade saiba que a reforma do PT aumenta
a carga tributária e não protege o consumidor porque acaba
com a noventena para que aumentos de IPTU, IPI e IR entrem em vigor.
Genoino faz críticas ao destaque do PDT
O presidente do PT, José Genoino, criticou a decisão do
PDT de apresentar destaque de votação em separado no segundo
turno da reforma da Previdência. Ele lembrou que o acordo com os
partidos - inclusive de oposição - previa votação
sem destaques.
- Vivi 20 anos no Congresso Nacional e aqui sempre houve uma lei: palavra
dada é palavra empenhada e palavra cumprida. Se um partido não
honra um acordo, é ruim politicamente para o próprio partido.
Mas temos maioria e vamos votar - avisou.
O destaque do PDT tentava alterar o subteto dos servidores estaduais,
evitando que o Judiciário tivesse teto diferenciado. Foi derrubado
regimentalmente com base em decisão de 1996 do então presidente
da Câmara, Luís Eduardo Magalhães, quando analisou
questão de ordem semelhante.
Dissidentes não
querem deixar o PT nem o governo
BRASÍLIA. Decididos a tentar mostrar força para influenciar
nos rumos do governo, os oito deputados dissidentes que se abstiveram
na votação da reforma da Previdência - Walter Pinheiro
(BA), Chico Alencar (RJ), Paulo Rubem (PE), Orlando Fantazzini (SP), Mauro
Passos (SC), Maninha (DF), João Alfredo (CE) e Ivan Valente (SP)
- reuniram-se ontem com o chamado Grupo dos 30, formado por parlamentares
de alas mais à esquerda do PT, para nova negociação.
Eles afirmam que não há disposição dos oito
de deixar o PT ou o governo e que sua intenção é
influenciar o rumo da administração.
- Teremos pela frente várias votação polêmicas,
como a independência do Banco Central e a reforma trabalhista, e
queremos ter poder para atuar como consciência crítica do
governo - afirmou Chico Alencar.
Para o deputado Mauro Passos, a atuação de Walter Pinheiro
na comissão especial da reforma tributária é uma
prova de que há interesse em defender o governo. Pinheiro, um dos
oito que se abstiveram, defendeu de forma veemente a posição
do governo:
- Walter demonstrou cabalmente nosso compromisso com o governo. Queremos
ajudar, mas não podemos deixar de opinar - disse Passos.
Petistas que se abstiveram vão
continuar a negar voto
BRASÍLIA. Durante todo o dia de ontem, líderes governistas
fizeram um esforço para obter, no segundo turno de votação
da reforma da Previdência no plenário da Câmara, o
apoio dos aliados que no primeiro turno votaram contra. Os líderes
da base tentavam virar os votos de oito deputados petistas que se abstiveram
- Walter Pinheiro (BA), Chico Alencar (RJ), Paulo Rubem (PE), Orlando
Fantazzini (SP), Mauro Passos (SC), Maninha (DF), João Alfredo
(CE) e Ivan Valente (SP) - e de quatro do PCdoB que votaram contra: Jandira
Feghali (RJ), Sérgio Miranda (MG), Alice Portugal (BA) e Promotor
Gil (PI).
O presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), convidou
os oito petistas para uma longa conversa em seu gabinete no início
da tarde de ontem. Não obteve sucesso.
- É uma questão de coerência. A bancada produziu
161 emendas e nove foram aprovadas, mas nenhuma foi aceita. Foi um vício
de origem. Ficamos à margem do processo e decidimos nos abster
- disse Mauro Passos.
- Virou uma birra política, uma intransigência e vamos lutar
até o fim para ver se eles mudam de posição. Aquela
abstenção já foi equivocada, é um não
envergonhado, mas eles estão indo para a teimosia e, quando a política
caminha para a teimosia, não é bom para ninguém -
disse o presidente do PT, José Genoino.
O presidente do PCdoB, Renato Rabelo, reuniu-se ontem à noite
com os quatro deputados do partido que votaram contra. Ele argumentou
que o texto já estava aprovado em primeiro turno e fez um apelo
para que os quatro votem com o partido pelo menos no segundo turno.
Palocci: 'Não é revolução
tributária, é reforma'
Vivian Oswald, Bernardo de la Peña e Adriana Vasconcelos
BRASÍLIA. O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, atuou em duas
frentes ontem para tentar minimizar as resistências contra a aprovação
da reforma tributária. Além de abrir o gabinete para os
governadores, ele tenta evitar uma derrota na guerra da comunicação
em que, os próprios líderes governistas admitem, o governo
está perdendo para os estados em relação ao aumento
da carga tributária. Em entrevista coletiva, Palocci disse que
não se deve esperar uma revolução com a proposta
de reforma tributária.
- Não é uma revolução tributária,
é uma reforma. Mas se você desonerar a exportação,
promover o fim da cumulatividade da Cofins e reduzir impostos sobre bens
de capital, pode perguntar a qualquer empresa brasileira se ela acha isso
positivo ou negativo - disse o ministro.
Em resposta às críticas de que a proposta provocaria aumento
da carga tributária, o ministro afirmou que entende a preocupação
da população, mas sustentou que não existe motivo
para desconfiança. Segundo ele, o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva assinou dois acordos com os governadores nos quais se comprometia
a não aumentar impostos. Palocci disse que as pessoas têm
razão de se preocupar e lembrou que, no passado, o governo fazia
ajustes fiscais elevando os tributos:
- Como há uma impressão de que pode haver aumento de carga
tributária, as pessoas ficam preocupadas e com razão.
O ministro destacou que a reforma tributária deve trazer importantes
benefícios para as pessoas físicas. Segundo ele, estão
previstas a redução dos tributos sobre bens de consumo popular
e a garantia da renda mínima. Palocci também lembrou que
mudanças estão sendo estudadas para o Imposto de Renda da
Pessoa Física, mas ressaltou que não serão tratadas
no âmbito da reforma tributária:
- Isso é algo que não depende da reforma. Estamos avaliando
as alternativas.
Orientação do governo é divulgar reforma tributária
A orientação do Planalto é para que os técnicos
da equipe econômica e os líderes da base governista partam
para o ataque e dêem entrevistas para explicar as mudanças
e garantir que o projeto não aumentará a carga tributária.
A Secretaria de Comunicação deve encaminhar ainda hoje ao
Congresso cerca de mil folhetos explicando os pontos da reforma tributária.
O esforço já começou ontem com as entrevistas de
Palocci, do secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, e do líder
do governo no Senado, Aloizio Mercadante (SP). Assessores do presidente
defendem que o governo, já livre da decisão judicial que
o impedia de fazer campanhas publicitárias sobre as reformas, encomende
uma para esclarecer os efeitos da reforma tributária.
O vice-líder do PT na Câmara, Paulo Bernardo (PR), chegou
até a procurar o titular da Secretaria de Comunicação,
Luiz Gushiken, e sugeriu que o próprio presidente participe desta
ofensiva. Para ele, a idéia de que a reforma provocará aumento
da carga tributária está ganhando a opinião pública.
O deputado argumenta que os governadores, principalmente do PFL e do PSDB,
estão ganhando a batalha da informação.
- Quem aumentou a carga tributária em 11 pontos percentuais durante
os últimos nove anos agora nos acusa de aumentar a carga, o que
não é verdade - disse o vice-líder do PT.
Rachid: arrecadação cresce,
carga não
O secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, também saiu
em campo ontem para defender a proposta de reforma tributária que
está sendo votada no Congresso. Ele centrou seus esforços
para negar a possibilidade de o projeto de reforma tributária abrir
espaço para aumento da carga de impostos. Segundo ele, o projeto
incomoda os sonegadores porque reduz as chances da chamada elisão
fiscal - uso de brechas legais para evitar o pagamento de impostos.
Valderez Caetano
BRASÍLIA
Já há um sentimento nacional de que a proposta do governo
para a reforma tributária aumenta a carga de impostos. Como o governo
reage a isso?
JORGE RACHID: Não aumenta a carga tributária. O que estamos
tratando é de melhorar a eficiência econômica e de
administração tributária. Estamos tratando da desoneração
das exportações e do efeito de tributos cumulativos. Não
há como negar que, ao melhorar a eficiência e a administração
tributária, nós poderemos ter aumento de arrecadação,
mas isso não significa que haverá aumento de carga.
Os críticos dizem ainda que ninguém garante que haverá
desoneração dos produtos da cesta básica e medicamentos.
RACHID: A proposta de desoneração da cesta básica
e dos medicamentos é transparente e vai estar escrita na Constituição
brasileira. Estamos falando de estabelecer uma lista de produtos que terão
desoneração de impostos.
O governo estaria disposto a fixar um limite para a carga tributária?
RACHID: Tudo que estamos falando tem um limite. Ninguém cobra
impostos ilimitadamente porque chega um momento em que as pessoas sonegam.
No futuro com certeza o tamanho da carga será discutido.
Então por que há tanta resistência ao projeto?
RACHID: O fato de estarmos propondo o recolhimento do ICMS na origem
- esta proposta não mexe no princípio de origem e destino-
incomoda a quem sonega. Hoje, por exemplo, um produto é tributado
em São Paulo a 7% porque teoricamente ele se destina ao Nordeste,
mas o produto acaba sendo consumido em São Paulo e acontece o que
chamamos de passeio de nota fiscal.
Uma outra crítica é que o Executivo poderá criar
empréstimos compulsórios até por medida provisória.
RACHID: Esse dispositivo não estava no projeto original e, se
cria tanta polêmica, não vejo porque alterá-lo. Afinal,
mesmo por MP, qualquer medida tem que passar pelo crivo do Congresso e
ser negociada.
Dulci: PMDB poderá
conseguir dois ministérios
BRASÍLIA. Um impasse antecede o encontro de amanhã entre
o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os líderes do PMDB
no Senado, Renan Calheiros (AL), na Câmara, Eunício Oliveira
(CE), e o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Os peemedebistas
querem resolver a participação no Ministério e consideram
razoável esperar até outubro, quando a reforma da Previdência
já deverá ter sido votada no Senado.
Mas o presidente Lula quer esperar até o fim do ano para incluir
o PMDB numa reforma ministerial mais ampla. A posição de
Lula foi manifestada ontem pelo secretário-geral da Presidência,
Luiz Dulci, em entrevista em Belo Horizonte.
- O que há de certo mesmo é que até o fim do ano
o PMDB será incorporado ao Ministério. É possível
que o PMDB tenha dois ministérios... Isso fará parte do
processo de negociação - explicou Dulci.
O chefe da Casa Civil, José Dirceu, está disposto a atender
ao pedido do PMDB e antecipar mudanças no Ministério, mas,
no encontro com a cúpula do partido, na semana passada, disse que
era preciso convencer Lula de que isso é realmente necessário.
Servidores do INSS no Rio mantêm a greve até
que salário seja depositado
RIO E BRASÍLIA. Pelo segundo dia consecutivo após o acordo
que pôs fim à greve do INSS, os postos de atendimento ao
público no Rio permaneceram fechados ontem. Os servidores grevistas,
que tiveram o ponto cortado, afirmam que só retornarão ao
trabalho hoje se o governo tiver depositado o salário de julho.
Segundo o diretor do Sindicato dos Servidores da Saúde, Trabalho
e Previdência Social do Estado do Rio, Rolando Medeiros, se os pagamentos
não forem feitos, a categoria não prestará atendimento
ao público e realizará uma nova assembléia às
14h para confirmar a manutenção da greve.
Segundo a superintendência regional do INSS no Rio, o pagamento
dos servidores em greve será depositado hoje. Em torno de 20 mil
novos benefícios por mês deixaram de ser pedidos nos 106
postos do INSS no estado do Rio devido à greve, que já dura
quase 90 dias.
A manutenção da paralisação deixou frustrado
quem procurou atendimento. Com os documentos em ordem para dar entrada
na aposentadoria desde o primeiro dia da greve, a comerciante Mara Bandeira
Mello, de 61 anos, ficou decepcionada com as portas fechadas da agência
Copacabana, ontem.
Posto reabrem em Minas Gerais com grandes filas
A previsão do INSS é de que hoje os postos sejam reabertos
em todos os estados, à exceção do Pará e do
Amazonas, apesar de no Rio a situação ainda ser incerta.
Embora o acordo dos servidores com o governo para o encerramento imediato
da greve tenha sido acertado na sexta-feira, as agências do INSS
só abriram anteontem em 16 estados.
No Pará e no Amazonas, os funcionários decidiram estender
a paralisação até amanhã, contrariando o acordo
firmado entre os servidores e o governo na sexta-feira. Pelo acordo, o
Ministério da Previdência concedeu reajuste salarial de 47,11%
em quatro parcelas. Os servidores se comprometeram a retornar ao trabalho
na segunda-feira.
Em Minas, as agências reabriram ontem. Grandes filas começaram
a ser formadas desde a madrugada nos sete postos do INSS de Belo Horizonte.
Quase quatro mil pessoas deixaram de ser atendidas diariamente desde o
início da greve no estado.
O movimento foi tão grande que o INSS resolveu adiar por mais
dois meses o fim dos benefícios cujos prazos de vencimento expiraram
durante a greve, já que, segundo a direção do órgão,
somente nas próximas semanas será possível colocar
o trabalho em dia.

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