quinta-feira, 28 de agosto de 2003
O Globo
Agora é com o Senado
Isabel Braga , Lydia Medeiros e Ilimar Franco
BRASÍLIA
Mais uma vez com a ajuda da oposição, o governo conseguiu
aprovar ontem em segundo turno a reforma da Previdência, que estabelece,
entre outras medidas, a taxação dos servidores públicos
aposentados. Foram 357 votos a favor, 123 contra e seis abstenções.
Só com os votos dados pela base, 297, o texto não seria
aprovado, já que são necessários no mínimo
308 votos. Nada menos que 60 votos a favor da reforma foram garantidos
pelo PFL e pelo PSDB. No primeiro turno da emenda, o placar tinha sido
de 358 votos a 126, com nove abstenções, sendo oito de deputados
do PT.
O texto não sofreu alterações em relação
ao primeiro turno. Dos 15 destaques que pretendiam modificá-lo,
seis não foram admitidos pela Mesa e os outros nove foram rejeitados.
Após proclamado o resultado, governistas comemoraram a vitória
com chuva de papel picado.
Agora começa a batalha no Senado, onde a reforma passa novamente
por dois turnos de votação. O governo já admite a
possibilidade de mudanças no texto. Num jantar com senadores anteontem,
na casa do senador Ney Suassuna (PMDB-PB), o ministro Luiz Gushiken, da
Secretaria de Comunicação, reconheceu problemas na fórmula
do limite salarial para o Poder Executivo nos estados, o chamado subteto,
tema de destaque apresentado ontem pelo PDT e derrotado na Câmara.
O ministro disse, segundo o relato de presentes, que o modelo aprovado,
com base no salário dos governadores, pode criar distorções,
pois há disparidades entre os 27 estados.
O senador Ramez Tebet (PMDB-MS) afirmou que Gushiken deixou claro que
há também na Casa Civil, do ministro José Dirceu,
um defensor da tramitação rápida da reforma no Senado,
boa vontade para rever o assunto.
- Foi uma vitória do país, da população mais
pobre, que é quem precisa mais de uma Previdência justa,
equilibrada e com sentido de permanência - comemorou o líder
do governo Aldo Rebelo (PCdoB-SP).
Dos partidos da base, o PL foi o mais fiel, garantindo 100% dos votos.
No PTB, o governo teve 79,2% dos votos e, no PMDB, 65,3%. O PSB deu dois
votos contrários e, no PPS, foram duas ausências.
O vice-líder do PFL, deputado Antonio Carlos Magalhães
Neto (BA), provocou o vice-líder do governo, Professor Luizinho
(PT-SP):
- Não eram 370 votos nos cálculos do governo?
- Tinha muita gente viajando - disse Luizinho, que não vê
razão para lastimar a necessidade da oposição para
aprovar o texto.
- O que aconteceu hoje aqui foi a votação de uma reforma
de todos e que interessa a todo o país. Só os que se voltam
às questões corporativas optaram pelo voto contra - disse
o vice-líder.
Anteontem, o presidente Lula criticara os deputados da base que, segundo
ele, votam contra a reforma por serem corporativistas.
O líder do PFL, José Carlos Aleluia (BA), votou contra
o texto e afirmou:
- Os do PFL que votaram a favor votaram por convicção.
Não concordamos com vários pontos e vamos tentar alterá-los
no Senado.
Walter Pinheiro vota contra governo
BRASÍLIA. O deputado Walter Pinheiro (BA) engrossou ontem o grupo
de petistas que votaram contra a reforma da Previdência. Na votação
passada, em 6 de agosto, Pinheiro foi um dos oito petistas que se abstiveram.
Ontem, aderiu ao trio de radicais formado por Luciana Genro (RS), João
Batista Babá (PA) e João Fontes (SE). Dos oito deputados
que se abstiveram no primeiro turno, a única ausente era a deputada
Maninha (DF), que acaba de ter o marido demitido da Fundação
Nacional de Saúde (Funasa) por retaliação do Planalto.
Ela cumpria missão oficial em Quito.
Além de Pinheiro, que optou pelo voto contra, e da ausência
da deputada Maninha, os quatro deputados do PCdoB - Jandira Feghali (RJ),
Sérgio Miranda (MG), Alice Portugal (BA) e Promotor Gil (PI) -
que votaram contra a reforma no primeiro turno mantiveram o mesmo voto
no segundo turno.
Punição aos infiéis deve ser anunciada semana
que vem
A punição aos deputados petistas que se abstiveram nas
votações da reforma da Previdência deve ser anunciada
na próxima semana. O presidente do PT, José Genoino, disse
que fez de tudo para convencer os parlamentares do PT a votar ao lado
do governo ontem.
Genoino afirmou que os próprios colegas entendem que devem ser
punidos pelo partido, o que vai ocorrer na reunião da executiva
marcada para segunda-feira. Ele preferiu não adiantar qual será
o castigo dos infiéis.
A punição será decidida diretamente pela executiva,
sem passar pela comissão de ética. A rapidez sinaliza que
o castigo não deverá ser longo nem atrapalhar eventuais
candidaturas a prefeito em 2004.
Já a punição aos chamados radicais, especialmente
a senadora Heloísa Helena (AL), deve ficar para depois. Isso deixa
os que querem se candidatar às prefeituras no ano que vem em situação
delicada, já que têm de estar filiados nos partidos pelos
quais vão disputar até 4 de outubro.
Governadores ameaçam
boicotar a aprovação da reforma tributária
Catia Seabra e Isabela Abdala
BRASÍLIA. Dispostos a conquistar pelo menos três reivindicações
que representariam mais R$ 7 bilhões para os cofres dos estados,
os governadores desembarcaram ontem em Brasília com um ultimato
ao governo federal: o Ministério da Fazenda terá de ceder,
sob pena de perder o triplo, os R$ 21 bilhões da arrecadação
estimada para a CPMF no ano que vem.
Ontem, em reunião com o presidente da Câmara, João
Paulo Cunha (PT-SP), e numa audiência com o ministro da Fazenda,
Antonio Palocci, os governadores foram claros ao ameaçar boicotar
a aprovação da reforma tributária na Câmara,
impedindo que as modificações sejam transferidas para o
Senado, como quer o governo.
Depois da reunião com os governadores, João Paulo montou
uma comissão com a tarefa de elaborar a emenda aglutinativa com
as mudanças reivindicadas pelos governadores até a semana
que vem.
Governo quer aprovar
CPMF e DRU até 30 de setembro
O governo pretende garantir a aprovação da CPMF e da DRU
no Senado até 30 de setembro. Promulgados esses dois pontos - essenciais
para a União - a reforma voltaria, alterada, para a Câmara.
Ontem, no entanto, os governadores se reuniram com suas bancadas para
pedir que não permitam a aprovação da reforma tributária
sem a redação de uma emenda aglutinativa que contemple seus
interesses.
- Temos que obstruir a reforma tributária - orientou o governador
de Minas, Aécio Neves (PSDB), na reunião com sua bancada.
Ao longo do dia, foi ele o porta-voz do recado a Palocci, com quem tomou
café da manhã, e ao chefe da Casa Civil, José Dirceu,
com quem almoçou.
- O governo tem que fazer um gesto. Este não é o momento
de arroubos de valentia ou de construção de maiorias superficiais
- disse Aécio, repetindo o que dissera a Palocci no café
da manhã: que o governo corre o risco de ficar sem CPMF caso feche
as portas da negociação.
- Este relatório não tem condições de ser
aprovado - avisou o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB),
convidado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no vôo
de São Paulo a Brasília.
Segundo os governadores sinalizaram aos aliados, essas reivindicações
estão a um passo de serem concretizadas. Além dos 25% de
receita da Cide (R$ 2,5 bilhões) já acertados com Palocci,
eles pedem a ampliação, em mais R$ 2,5 bilhões, dos
recursos destinados ao Fundo de Compensação da Lei Kandir.
Desconfiados, os governadores exigem que se edite uma medida provisória
sobre o repasse da verba da Cide antes da aprovação da reforma
no plenário.
Publicamente, Palocci ainda não concordou com a hipótese.
Nem com o reforço de recursos do fundo de exportações.
Mas, segundo os governadores, ele está muito mais maleável.
O ministro, no entanto, disse que não há uma decisão
do presidente Lula quanto à edição de uma MP regulamentando
o repasse.
Governadores divergem
sobre partilha da Cide
BRASÍLIA. Num país de tantos contrastes, as diferenças
entre os governadores estão aflorando ao longo da negociação
da reforma tributária. A fórmula de distribuição
dos recursos da Cide tem sido uma das principais causas de polêmica.
Com 20% das estradas federais do país, o governador de Minas, Aécio
Neves (PSDB), propôs, numa minuta de MP, que a malha rodoviária
fosse o critério para a destinação de 50% dos recursos.
A outra metade dependeria do estado em que o combustível foi consumido.
Minas, São Paulo e Rio de Janeiro consomem 85% do combustível
do país. Ontem, a bancada do Norte protestou:
- Não podemos beneficiar só o Sudeste. Minas tem muita
estrada para reformar. Temos que construir - disse Eduardo Braga (PPS-AM),
pedindo que 20% fossem igualmente partilhados entre os estados, dividindo
os 80% restantes entre a malha rodoviária e o consumo.
O chefe da Casa Civil, José Dirceu, na véspera, numa conversa
com deputados, foi irônico. Contou estar enviando para cada um dos
governadores uma carta, atribuindo a idéia a Aécio.
Os governadores do Nordeste não esconderam o desconforto.
- Não se pode ter uma fórmula em que alguém seja
esperto e o resto, não. Todo mundo aqui é esperto - disse
um dos governadores.
A governadora do Rio, Rosinha Matheus, insistiu para mudar o modelo,
tendo o consumo como único critério.
- Como Minas, Rio e São Paulo ficam com 85% da receita, a senhora
pode convencer os outros 24 governadores a aceitar 15% da arrecadação
- disse Aécio. ( Catia Seabra )
Rosinha, no PMDB, pede
ajuda a tucanos
BRASÍLIA. A governadora Rosinha Matheus (PMDB) foi uma estranha
em ninho tucano na manhã de ontem, na reunião dos governadores
do PSDB para discutir a reforma tributária. Filiada ao PMDB, integrante
da base governista, Rosinha foi pedir apoio da oposição
para que a União abdique em favor dos estados da cota de royalties
sobre o acréscimo de produção do petróleo
no ano que vem. Para o Rio, são R$ 800 milhões.
Rosinha participou da discussão sobre a fórmula de distribuição
da Cide, o imposto dos combustíveis, e ouviu a estratégia
dos tucanos para a negociação da reforma. Na saída,
porém, recusou-se a dizer se está disposta a pedir que sua
bancada vote contra o texto atual:
- Tenho que ouvir o PMDB.
Ainda assim, ela obteve o apoio do PSDB.
- Queremos o Rio lindo para o Pan e para as Olimpíadas - brincou
o governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima.
- Não é só para o Rio. É para os produtores
de energia e gás. São nove estados e, daqui a pouco, São
Paulo pode ser beneficiado por causa do gás - disse ela, que foi
convidada por Aécio Neves na manhã de ontem.
Palocci: sem CPMF, governo terá
de ter compensação
Valderez Caetano e Maria Lima
BRASÍLIA. O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, não descartou
ontem a possibilidade de o governo adotar novos instrumentos para compensar
a perda de arrecadação, caso a prorrogação
da CPMF não seja aprovada até 30 de setembro. O ministro
entende que a noventena para a cobrança continua valendo, apesar
de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter considerada legal a prorrogação
da contribuição, sem noventena, em 2002. Segundo ele, o
governo não pode abrir mão de uma arrecadação
de R$ 100 milhões por dia:
- Essa questão tem de estar resolvida até 30 de setembro.
Se não, começa a abrir um furo no Orçamento do ano
que vem. Não vamos sofrer por antecipação, mas se
a questão se colocar, será um grande problema.
Palocci admitiu que o relatório da reforma tributária aumenta
receitas dos estados, mas repetiu que isso não significa aumento
da carga tributária. Para Palocci, o projeto busca mais eficiência
na cobrança dos tributos e inibe a sonegação fiscal.
Com base no cruzamento da CPMF com dados da Receita Federal, o ministro
disse que hoje circulam no sistema financeiro R$ 800 bilhões "no
escuro", grande parte sem pagamento de impostos.
Se depender de Palocci está descartada a possibilidade de o governo
estabelecer na Constituição a limitação da
carga tributária em 36% do PIB, fixando uma forma de gatilho para
que ela caia a partir deste limite. Segundo ele, não é bom
para a economia o aumento real de impostos porque inibe o crescimento.
O ministro disse que haverá um compromisso forte do governo de,
sempre que se ultrapassar os 36% do PIB, se reduzam alíquotas do
ICMS.
- Suponhamos que haja um aumento de 10% da receita logo depois da aprovação
da reforma. Por que não reduzir alíquotas? - indagou o ministro.
No passado, IOF subiu
O governo já recorreu ao aumento do Imposto sobre Operações
Financeiras (IOF) para compensar perdas da CPMF em períodos nos
quais a contribuição deixou de ser cobrada. Foi o que aconteceu
em março de 1999, no governo Fernando Henrique. O Planalto perdeu
o prazo para enviar mensagem ao Congresso prorrogando a CPMF e aumentou
o IOF porque a contribuição ficou suspensa até junho
daquele ano. O mesmo expediente já tinha sido usado em 1998. Ano
passado o governo ameaçou com o aumento do IOF, mas desta vez ele
não aconteceu porque o Senado logo votou a prorrogação
da CPMF.
Palocci defende imposto
maior para heranças
BRASÍLIA. O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, defendeu ontem
a progressividade do imposto que incide sobre herança e doações,
o Imposto de Transmissão de Bens Imóveis, Causa Mortis e
Doações (ITCD). Hoje a alíquota é de 4%. A
proposta faz parte do projeto de reforma tributária aprovado anteontem
na comissão especial, mas tem encontrado muita resistência,
principalmente por parte do empresariado, que argumenta que a renda já
é tributada.
"Devemos começar com uma alíquota baixa",
diz Palocci
O ministro defendeu a proposta de a progressividade começar por
alíquotas abaixo da média mundial, dizendo que no Japão,
por exemplo, a taxação chega a 75%.
- Devemos começar com uma alíquota baixa porque esse imposto
não é tradição no Brasil. Se dermos um pequeno
passo, vai ser bom para as pessoas ricas saberem que estão contribuindo
para o país- disse o ministro.
Palocci afirmou ainda que o retorno em termos de arrecadação
para a União não é significativo, mas que o imposto
tem valor como uma medida de mudança cultural.

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