quinta-feira, 04 de setembro de 2003

O Globo

Reforma tributária aprovada
Mesmo sem acordo com estados e oposição, governo obtém 70 votos a mais que o necessário

O governo conseguiu aprovar hoje de madrugada, por 378 votos a 53, a reforma tributária em primeiro turno na Câmara. Foram 70 votos a mais do que os 308 necessários. Mesmo sem um acordo com a oposição e os governadores, o Planalto decidiu medir forças e, com autorização do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os líderes governistas foram para o voto. Depois de um dia inteiro de discussões, já na madrugada de hoje o líder do PFL, José Carlos Aleluia (BA), anunciou que os parlamentares do partido se retirariam do plenário em protesto contra a condução da votação.

O presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), disse que a reforma não estava sendo imposta pelo governo, que cedeu a reivindicações de governadores, prefeitos, oposição e base aliada, e fez um apelo a Aleluia para que os pefelistas permanecessem.

- O pedido que eu faço é para o PFL ficar. Ficar e disputar. Pode não ser a ideal, mas esta reforma sai graças à Câmara dos Deputados - disse João Paulo.

Aleluia ouviu e reafirmou a decisão do partido de deixar o plenário.

- A opção política do PFL está feita. Vamos ao voto - rebateu o presidente da Câmara.

No meio da tarde o quadro ficara indefinido depois que 42 tucanos se reuniram e decidiram votar contra o relatório do deputado Virgílio Guimarães (PT-MG).

- O contribuinte não ganha, os estados e os municípios perdem, só quem ganha é a União - disse o líder do PSDB, Jutahy Magalhães Junior (BA).


Desde a manhã de ontem PSDB e PFL tentaram evitar a votação, mas a ordem do Planalto era medir forças e votar. Os presidentes dos dois partidos de oposição, José Aníbal (PSDB) e Jorge Bornhausen (PFL), recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar suspender a votação. O governo, porém, decidiu iniciar a votação antes da decisão do Supremo.

À tarde, os líderes governistas, que na véspera diziam ter 330 votos, não tinham ainda sequer a garantia de que teriam os 50 votos da bancada do PMDB necessários para aprovar a reforma. Os líderes aliados chegaram a ensaiar um recuo, mas o Planalto bateu pé.

Para votar, o governo teve de ceder a reivindicações dos governadores e se comprometeu a dar aos estados R$ 2 bilhões a mais para o fundo de compensação pelas perdas com a desoneração das exportações da Lei Kandir.

O governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), ligou para o presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), pedindo que a votação fosse adiada para hoje. Mas o governo manteve-se inflexível.

Lula: dá para negociar até o último momento

O porta-voz da Presidência, André Singer, disse que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva contava com a negociação até o último minuto.

- O presidente afirma que fez o que, de comum acordo, foi acertado com os 27 governadores e encaminhou o projeto de reforma tributária ao Congresso Nacional. Agora, o presidente espera que o Congresso, da mesma forma que votou a reforma da Previdência, vote também a reforma tributária. O presidente ressalta, ainda, que espaço para negociação existirá até o último momento de votação - disse Singer.

No fim da tarde, o líder do governo na Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), atendeu ao apelo do governador do PSDB, Cássio Cunha Lima (PB), para adiar a votação por duas horas para que fosse feita uma derradeira negociação com o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e com o chefe da Casa Civil, José Dirceu. Os ministros resolveram ceder e apresentar uma contraproposta para neutralizar o fogo dos governadores.

O governador do Paraná, Roberto Requião (PMDB), comandou seu partido para impedir a votação.

- Ou a minha bancada vota com o Paraná ou vota com o Palocci. Se votar com o Palocci eu passo escritura pública de todos os parlamentares que votarem contra - ameaçou.

PMDB, peça-chave na decisão do governo
Partido dá apoio em troca de ministérios. Até Rosinha fica a favor da reforma

BRASÍLIA. A promessa de apoio maciço do PMDB foi decisivo para a estratégia do governo de enfrentar a oposição e insistir até o fim na votação da reforma tributária ainda ontem, como queria o Palácio do Planalto, para demonstrar força diante dos governadores. Com essa demonstração de fidelidade, o PMDB esperava sair fortalecido e ver atendido, o mais rápido possível, o pleito de ocupar dois ministérios no governo, já a partir do próximo mês. O governo só decidiu disputar no voto a queda-de-braço com a oposição, depois de uma longa reunião da cúpula peemedebista, que anunciou o apoio global da bancada.

- O governo já fez a avaliação do ministério e sabe o que está ou não está funcionando. No mês que vem deve ser feita a reforma ministerial - disse o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), antes da reunião.

Promessa faz Rosinha liberar bancada

O apoio em bloco à emenda da reforma foi decidido numa reunião na residência do senador Ney Suassuna (PMDB-PB), da qual participaram Renan, o governador do Paraná, Roberto Requião, a governadora do Rio, Rosinha Matheus, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e vários deputados do partido. Ao final da reunião, até mesmo a neo-peemedebista Rosinha Matheus saiu anunciando que liberaria sua bancada para votar a favor da reforma tributária, como queria o governo.

Rosinha teria conseguido a promessa de que será incluído no texto constitucional uma transição de 11 anos, ao fim dos quais o Rio de Janeiro deverá arrecadar 4% de todo o ICMS sobre petróleo. Isso vale também para energia, o que beneficiaria principalmente os estados de Minas e Paraná. A governadora teria também tido a promessa de, na negociação da reforma no Senado, o adiantamento dos royalties do petróleo para o pagamento do 13º do funcionalismo.

- Daremos um voto de confiança ao governo federal e estou pedindo aos meus aliados que não inviabilizem a votação - afirmou Rosinha.

Além da governadora fluminense, a costura do acordo teve a participação também de Requião que, pela manhã, ameaçou colocar numa lista negra os parlamentares de sua bancada que votassem a favor da reforma.

À tarde, o governo decidira investir tudo no PMDB para conseguir chegar aos 320 votos pretendidos para confirmar a votação. O presidente do PMDB, deputado Michel Temer (SP), foi chamado ao gabinete da liderança do governo para reforçar o trabalho junto às bancadas estaduais comandadas por governadores do partido.

- Temos problemas localizados - afirmou Temer, que estimava que cerca de 30 deputados ainda continuavam contra a reforma.

Requião não conseguiu convencer os ministros da Fazenda, Antonio Palocci, e da Casa Civil, José Dirceu, a fazer as alterações pretendidas na votação da Câmara, mas obteve a garantia do governo de que a demanda do PMDB na reforma será atendida integralmente quando o projeto chegar no Senado.

- Com o apoio do presidente Sarney estamos certos que fecharemos um acordo no Senado - disse Ney Suassuna.

Fechado o apoio entre os líderes e governadores, a cúpula do partido rumou para uma reunião com a bancada na Câmara, que estava totalmente dividida em relação à proposta de reforma tributária. O líder Eunício Oliveira (PMDB-CE) se curvou diante dos argumentos de que os pleitos serão atendidos no Senado e que o acordo para fazer parte do governo estava fechado.

- Desta vez não apresentaremos vários nomes. Queremos que o governo aceite nossas escolhas - disse Eunício, que não quer passar pelo constrangimento do inicio do governo, quando nomes do partido foram rejeitados para o Ministério dos Transportes.

REFORMAS: para o governo, projeto incentiva o crescimento econômico

Palocci diz que negociações vão até o fim das votações no Congresso

'Não há e nunca haverá um consenso total', afirma ministro da Fazenda

BRASÍLIA. Em meio ao turbilhão de acordos e desacordos que vêm ganhando cada vez mais destaque em torno da reforma tributária, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, confirmou ontem a disposição do governo de manter permanentes as negociações até o último dia. Segundo ele, a tendência, inclusive, é que elas se intensifiquem até o fim das votações no Congresso. Para o ministro, não há outro caminho para resolver os impasses além do entendimento.

- Não há e nunca haverá um consenso total. Envolve permanentes negociações até o último dia. Não há fórmula mágica para resolver as negociações a não ser o entendimento - afirmou, lembrando que a reforma não resolve todos os problemas do país.

Segundo Palocci, o debate travado nas últimas semanas mostra a força da reforma. Apesar de reconhecer os problemas para se formar um consenso, Palocci se disse confiante e afirmou que aposta que os parlamentares saberão promover as mudanças necessárias para estimular o crescimento econômico. Segundo ele, todos os pontos da reforma têm por objetivo acelerar o desempenho da economia.

- Todas as medidas são para buscar o crescimento, porque o momento agora é o de buscar o crescimento econômico. Confio que os parlamentares saberão promover as mudanças tributárias que o país espera para ter a chance do crescimento sustentado de longo prazo.

Pressão dos estados volta-se contra eles na Cide

O ministro disse ainda que está disposto a considerar as sugestões que estão sendo preparadas pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, e que o governo recebe sugestões diariamente de parlamentares, líderes empresariais e grupos da sociedade civil.

A pressão dos governadores para adiar a votação acabou voltando-se contra eles na redação do artigo que trata da partilha da receita da Cide, o imposto sobre combustíveis. Atendendo à reivindicação dos prefeitos e contra a vontade dos governadores, os líderes governistas e o relator Virgílio Guimarães (PT-MG), destinaram aos municípios um quarto dos 25% da arrecadação da Cide a que os estados terão direito para investimentos em estradas.

Para governadores, PT está de olho nas eleições de 2004

A concessão aos municípios foi acertada nas reuniões da noite de terça-feira, na expectativa que eles ajudassem a garantir a votação da reforma na sessão de ontem.

- Juntou a fome com a vontade de comer. Nós aprovamos a reforma e os prefeitos ficam com um pedaço da Cide - disse o vice-líder do PT, Paulo Bernardo (PR).

Os governadores acusam o governo de ter beneficiado os prefeitos de olho nas eleições municipais do ano que vem.

- Esta é a matemática do PT - protestou o governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima (PSDB).

A estimativa de arrecadação da Cide para este ano é de R$ 8 bilhões e, com base nesse total, os 27 estados repartiriam entre si cerca de R$ 1,6 bilhões, cabendo aos milhares de municípios do país dividir R$ 400 milhões. O presidente da Confederação dos Municípios, Paulo Ziulkoski, entretanto, estava mais animado com a transferência da arrecadação do Imposto Territorial Rural (ITR) do que com a parcela da Cide.

A parte dos municípios será distribuída entre eles usando-se os mesmos critérios empregados para decidir o valor a que cada um tem direito no Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

- É muito pouco. Cada município vai receber em média R$ 70 mil ao ano ou R$ 5 mil ao mês. Estes 6% foram tirados dos estados mas não atendem ao que os municípios precisam - afirmou Ziulkoski.

PREVIDÊNCIA: rebelião no senado

Senadores petistas anunciam emendas ao texto aprovado na Câmara

BRASÍLIA. O PT poderá ter de administrar uma nova rebelião dentro do partido por causa da reforma da Previdência, só que desta vez no Senado. Na reunião da bancada de ontem, o senador Paulo Paim (PT-RS) adiantou ao líder do partido e relator da reforma, senador Tião Viana (AC), que deverá apresentar de oito a nove emendas ao texto aprovado pela Câmara. O presidente do PT, José Genoino, não quis falar em fechar questão contra a apresentação de emendas na bancada.

Embora adiante que votará com o governo, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) admitiu que deverá subscrever as emendas de Paim. Entre os demais petistas que poderiam pressionar o governo por mudanças no texto estariam Flávio Arns (PR), Ana Júlia Carepa (PA), Serys Slhessarenko (MT), Sibá Machado (AC) e Eurípedes Camargo (DF).

Afastada da bancada por conta de críticas à proposta do governo, Heloísa Helena (AL) não participou da reunião do PT. Mas já adiantou que votará contra o texto, caso não haja modificações. A senadora está redigindo suas emendas, mas como foi substituída pelo partido na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), terá de colher a assinatura de pelo menos 27 colegas para poder apresentá-las.

Genoino não acredita em repetição do confronto

Genoino não acredita que o clima de confronto enfrentado pelo partido na Câmara se repita no Senado. Para evitar isso, Tião Viana acertou com a bancada que todos os senadores petistas estão liberados para apresentar emendas. Mas no fim da discussão todos deverão seguir a orientação do partido.

Entre as emendas que promete encaminhar hoje à CCJ, Paim cita a que é contra a taxação dos servidores inativos, uma que pede redação mais clara que garanta a paridade entre os vencimentos dos funcionários da ativa e aposentados, a do subteto único para os estados e a de regras de transição menos rígidas.

- Pelo menos seis senadores da bancada têm as mesmas preocupações que eu. Há espaço para a negociação - aposta Paim, sem dizer como se comportará na votação caso o PT mantenha o texto aprovado pela Câmara.

Diante da pressão não só da bancada petista, como de outros partidos da base aliada por mudanças na reforma da Previdência, o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), disse que o Planalto está sensível às ponderações dos senadores. Entre elas, o líder cita o problema do subteto estadual para os servidores do Executivo:

- É um tema sensível. Temos um problema específico no Rio Grande do Sul, onde o salário do governador é de R$ 4 mil. Não queremos um subteto único, mas isso certamente será objeto de reflexão.

Até ontem à tarde já tinham sido apresentadas 31 emendas. O relator Tião Viana garante que analisará todas, mas admite que tende a preservar o texto aprovado pela Câmara sem alterações.