Quinta-feira, 02 de outubro de 2003

O Globo

‘Reforma tributária é um Frankenstein’, diz Piva
Flávio Freire

SÃO PAULO. O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Horácio Lafer Piva, chamou ontem de Frankenstein a reforma tributária do governo.

No discurso de abertura de uma reunião com empresários sobre a reforma, Piva ainda criticou a pressão de governadores e prefeitos para que o governo ceda a reivindicações de estados e municípios. Sem citar nomes, o empresário os acusou de praticar um “egoísmo territorial”:

— A proposta resultou num Frankenstein, todo remendado. No Congresso, pelo menos nesta primeira etapa, cada qual puxou por um lado, numa manifestação explícita de egoísmo territorial e descaso com o contribuinte. Nessa refrega pela partilha de impostos, há obsessão em defender os interesses próprios.

O presidente da Fiesp disse temer que a reforma fique “torta e mal focada”:

— Tenho muito medo de ver consolidada uma reforma tributária torta e mal focada. Estamos assistindo a uma perversão fiscalista contínua.

“Carga tributária pode subir até 6 pontos”, diz Gerdau

Também na Fiesp, o presidente do Grupo Gerdau, o empresário Jorge Gerdau Johannpeter, disse que, se mantido pelo Senado o texto da reforma tributária enviado pelo governo, a atual carga de impostos, hoje em 36% do PIB, poderá subir de quatro a seis pontos percentuais, alcançando então 42%.

— Seria muito prejudicial aos empresários e ao contribuinte — afirmou ele.

O presidente da Fiesp disse ainda que a disputa entre os poderes públicos de diferentes níveis é o que contribui para aumentar o rombo dos cofres públicos.

— Ao mesmo tempo que essa reforma premia a guerra fiscal, o governo esquece da produção, que é a galinha dos ovos de ouro — disse Horácio Lafer Piva.

 


Na previdenciária, ajuda dos estados
Adriana Vasconcelos e Geralda Doca

BRASÍLIA. A pressão dos governadores pela aprovação da reforma da Previdência foi mais forte que o ímpeto dos partidos de oposição em frear a votação das 203 emendas apresentadas à proposta. O governo venceu com boa folga as 13 votações de destaques em separado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). A base aliada garantiu a aprovação da cobrança da contribuição previdenciária dos servidores inativos e do redutor de 30% para as pensões acima de R$ 2.400 com votos de senadores do PFL, do PSDB e do PDT.

Impacto da reforma para a União deve ser de R$ 49 bi

Não foi à toa o empenho dos governadores. A economia que os estados farão com a reforma poderá ultrapassar R$ 15 bilhões em 20 anos, estimou o secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy. A cifra poderá ser muito maior. A conta, por enquanto, leva em conta só sete estados — Amazonas, Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Sergipe e Tocantins. Os demais ainda não enviaram os números ao Ministério da Previdência. Segundo Levy, o impacto da reforma para a União, estimado anteriormente em R$ 53 bilhões, ficará em R$ 49 bilhões diante das alterações no texto durante a votação na Câmara.

Na próxima terça-feira, a votação das emendas deverá ser retomada na CCJ. Só após a conclusão da votação do parecer do relator Tião Viana (PT-AC) o governo deverá apresentar uma nova proposta de emenda constitucional com as mudanças que estão sendo negociadas na reforma da Previdência. Até ontem o governo havia se comprometido em alterar o subteto dos servidores estaduais do Executivo, inserir medidas de controle e inclusão social na Previdência, e dobrar o piso da isenção da taxação de inativos e do redutor de pensões para os servidores inativos portadores de doença incapacitante, que serão definidas por lei ordinária.

O PFL foi ontem o único partido contrário à apresentação de uma nova emenda constitucional para viabilizar a aprovação das mudanças da reforma da Previdência, que tramitaria paralelamente à proposta original já aprovada pela Câmara. Essa foi a fórmula encontrada pelo governo para garantir que o texto principal da reforma não tenha de retornar à Câmara para outra votação, mas apenas a nova emenda com as mudanças propostas pelo Senado.

— É conversa para boi dormir. Se é uma emenda separada, não há qualquer garantia de que o governo se empenhará para aprovar essas mudanças na Câmara depois de ter o texto principal promulgado — afirmou o presidente nacional do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC).

O líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), disse que o compromisso com os senadores será honrado.

 

Opinião:

Contra o relógio


PARA PROVAR que em assuntos políticos mesmo os melhores profetas correm alto risco, a reforma da Previdência, considerada de fácil trânsito no Senado, começa a enfrentar percalços.

COMO, POR tradição, os políticos tendem a distribuir benesses com o dinheiro alheio (do contribuinte), começa-se a fazer o mesmo com a emenda da reforma, ao se propor alterações na regra da contribuição dos inativos e pensionistas estabelecida na Câmara dos Deputados.

O TEMPO passa e, enquanto isso, o déficit previdenciário dos servidores aumenta: de janeiro a agosto, ele cresceu quase 11%.