Sexta-feira, 10 de outubro de 2003
O Globo
Relator errou ao ampliar taxação
de inativos
Adriana Vasconcelos
BRASÍLIA. Um dia depois de apresentar a proposta de emenda constitucional
(PEC) paralela à da reforma da Previdência, Tião Viana
(PT-AC), relator no Senado, foi obrigado ontem a fazer uma correção
no texto. Ele alterou o parágrafo que autorizava os estados a instituírem
uma alíquota maior do que a União na contribuição
previdenciária que será cobrada dos servidores ativos e
inativos.
A minha intenção era justamente o contrário
disso. A alíquota de 11% da União deverá, sim, ser
o limite para os estados explicou Viana, acrescentando que o erro
ocorreu por ter incorporado à nova PEC uma emenda do senador Arthur
Virgílio.
Viana também admitiu que terá de dar nova redação
a outro trecho da PEC paralela para deixar mais claro que os pensionistas
portadores de doença incapacitante terão redutor de pensão
zero até o teto de R$ 4.800, ou seja, o dobro da isenção
dada aos demais pensionistas.
O texto só menciona o aumento do teto de isenção
para contribuição previdenciária de servidores inativos
e pensionistas portadores dessas doenças para R$ 2.880, no caso
da União, e para R$ 2.400 nos estados.
A bancada do PT não se reuniu para deliberar
Pelo menos três dos 14 senadores do PT estiveram ontem na manifestação
promovida por 17 entidades do funcionalismo público contra a tramitação
da proposta de emenda constitucional paralela à da reforma da Previdência.
A nova PEC centraliza todas as mudanças sugeridas pelo Senado à
reforma para permitir que o texto já aprovado pela Câmara
possa ser promulgado logo, sem alterações.
Ao lado dos três líderes da oposição
Jefferson Peres (PDT-AM), Arthur Virgílio (PSDB-AM) e Agripino
Maia (PFL-RN) os petistas Paulo Paim (RS), Serys Slhessarenko (MT)
e Heloísa Helena (AL) defenderam que as alterações
negociadas com o Senado sejam incluídas no próprio texto
da reforma previdenciária.
A bancada do PT não se reuniu para deliberar sobre a PEC
paralela. Eu sou contra disse Paim.
A senadora Serys surpreendeu os manifestantes ao comparecer ao ato. O
senador Demóstenes Torres (PFL-GO) lembrou que a senadora do Mato
Grosso era uma das signatárias da PEC paralela.
Eu assinei pensando que fosse mais uma das emendas que serão
apresentadas em plenário justificou-se.
O líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), minimizou
a participação do trio petista na manifestação
contra a PEC paralela:
Na verdade foram apenas dois, a senadora Heloísa está
afastada.
João Paulo manda cravos vermelhos para Mercadante
Além do início de rebelião na bancada petista, o
governo ainda terá de derrubar um requerimento apresentado por
Demóstenes Torres que, baseado no regimento interno do Senado,
solicita que a PEC paralela seja apensada à reforma da Previdência,
o que exigiria que as duas propostas voltassem para a Comissão
de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. O requerimento
tem de ser aprovado em plenário por maioria simples.
Se eles tiverem voto, a PEC paralela será apensada. Mas
normalmente isso só acontece mediante acordo, não é
uma exigência do regimento rebateu Mercadante, que ontem
foi surpreendido pelo presidente da Câmara, João Paulo Cunha
(PT-SP), de quem ganhou um buquê de cravos vermelhos em retribuição
à visita que recebera do senador na véspera para discutir
as reformas da Previdência e tributária.
Palocci não garante conter a carga tributária
Catia Seabra e Valderez Caetano
BRASÍLIA. Numa audiência de mais de sete horas no Congresso,
o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, admitiu ontem, pela primeira vez,
que o governo não pode dar garantias de que a reforma tributária
não representará um aumento da carga de impostos no país.
Diante da insistência dos senadores da Comissão de Constituição
e Justiça (CCJ), Palocci frisou que a decisão do governo
é de contenção da carga tributária, mesmo
que pagando um alto preço por isso (os R$ 14 bilhões de
cortes no Orçamento). Mas, ao longo de toda a audiência,
ele reconheceu que, no futuro, a alta talvez seja necessária. Todo
o tempo o ministro fez questão de descartar a associação
de aumento com a reforma tributária.
Palocci comentou a proposta do relator da reforma no Senado, Romero Jucá
(PMDB-RR), de fixação de um mecanismo na Constituição
que limite a carga tributária, com viés de baixa
quando cair a relação entre dívida pública
e PIB.
Como Deus é brasileiro, o Senado pode estabelecer o viés
de baixa brincou Palocci, sugerindo que os senadores trabalhem
com a hipótese de viés de alta.
Também pela primeira vez Palocci manifestou-se publicamente em
defesa da proposta de o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados)
incidir exclusivamente sobre combustíveis, bebidas e fumo. Ontem,
Palocci reconheceu que a União ganhará R$ 4 bilhões
com a mudança. Segundo ele, a perda dos estados poderá ser
compensada no futuro, embora ainda não haja uma fórmula
para isso.
Expondo com desembaraço suas idéias sobre reforma tributária,
Palocci só se calou quando provocado pela oposição
a falar sobre a crise que enfrenta na Receita Federal.
Sempre devo falar quando as palavras e a opinião forem
necessárias, quando as minhas palavras são mais importantes
e mais valorosas que meu silêncio. Acho que não é
o caso.
Leia os principais trechos do depoimento do ministro na CCJ do Senado:
IPI: :É facilmente construível uma reestruturação
do IPI. Não haveria nem ganho nem perda para estados. Nem ganho
nem perda para a União. Mas haveria um grande ganho para a economia
e para o Fisco. Para a economia seria um ganho brutal. Pró-União
terá um plus de R$ 4 bilhões, mas basta fazer uma distribuição
desses valores para os estados.
CARGA TRIBUTÁRIA PODE AUMENTAR: Não digo que não
há haverá aumento de carga. Ninguém pode dizer isso.
O que eu digo é que não há um vínculo entre
a reforma tributária e o aumento de carga.
CARGA TRIBUTÁRIA X REFORMA:O Brasil já provou que
o aumento de carga não depende de reforma. É só olharmos
para trás nos últimos dez anos. Sem nenhuma reforma, a carga
aumentou nos últimos dez anos. Não estou avaliando se foi
certo ou errado. Foi um fato, foi necessidade do país. Pode ser
que no futuro voltemos a ter esta necessidade. Temos que lutar para que
não. O aumento de carga é, muitas vezes, necessário
para o país. Não pode deixar desequilibrar a economia. Porque
aí o aumento de carga que vem em seguida é muito maior do
que aquele que ele faz para corrigir o processo econômico. É
nesse sentido que eu insisto nesta tese. Nós podemos, sim, estar
fazendo uma reforma tributária sem aumento de carga. Nós
podemos aumentar a carga sem reforma. E fazer reforma sem aumento de carga.
CONSULTORES: Não sei de onde esses consultores tiram esses
dados (sobre aumento da carga tributária). Há alguns meses,
divulgaram que a carga chegou a 40% do PIB. Não há nenhum
informação de que a carga tributária tenha aumentado
efetivamente. Ontem novos dados surgiram. Infelizmente, divulgam esses
dados sem a menor consistência. Estamos com os dados até
o terceiro trimestre e em relação ao ano passado há
uma queda de arrecadação em relação ao PIB
de 23,7% para 21,4%. Quando dizemos que não vamos aumentar a carga
tributária isso não é um discurso. Não é
retórica.
TRIBUTAÇÃO DOS IMPORTADOS: O produto nacional perde
competitividade. Seria negativo para o país se a reforma terminasse
com um ponto negativo para a balança comercial.
GUERRA FISCAL: A guerra fiscal feita com imposto de importação
é altamente negativa para o país, pode gerar uma perda significativa.
Estamos gerando emprego no exterior. Não podemos comprometer de
maneira danosa o déficit de transações correntes
no Brasil.
FUNDO DE COMPENSAÇÃO DAS EXPORTAÇÕES: Todos
ganham com a exportação. A tarefa de cobrir as perdas não
é de exclusividade da União. É evidente que os estados
também têm benefício com o esforço exportador.
FUNDO DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL: Alguns estados perguntam por
que, em vez de fazer financiamento, não fazer transferência
de recursos. Na minha opinião, transferência de recursos
não é política de desenvolvimento. Não vamos
transformar o fundo num fundo de transferência de recursos. Se queremos
transferência de recursos, fazemos isso com transparência.
Se queremos uma política de desenvolvimento, fazemos financiamento.
CPMF: Tenho dito aos governadores e prefeitos. Eles nos solicitaram:
nós queremos 0,1% (do 0,38% de incidência da CPMF). Falei:
então, nos devolvam 0,18%. Porque já está indo 0,28%.
Para ir mais 0,1%, só se tirarmos da Previdência, que é
o único recurso que não é transferido.
UNIFICAÇÃO DO ICMS: A unificação da
legislação do ICMS é uma medida muito simples e de
extraordinário ganho de arrecadação e de melhoria
da atividade econômica. Teremos um instrumento mais sadio, mais
uniforme e mais efetivo de tributação. Não há
motivo para que o Brasil não dê esse passo neste momento.
UNIFICAÇÃO 1: Assim como a jaboticaba, só
o Brasil tem o ICMS nos estados... Estamos trocando uma biblioteca (27
diferentes legislações) por uma lei.
TRANSIÇÃO DA ORIGEM PARA O DESTINO: É um debate
pouco produtivo que exige um esforço muito grande.
IMPOSTO SOBRE HERANÇA: O imposto sobre herança deve
ser contribuição social das pessoas que acumulam herança
para o Brasil. As pessoas precisam ter uma consciência nova sobre
distribuição de renda. Temos uma sociedade para cuidar.
Podemos ter uma política em que a família que acumulou uma
grande herança transmita para seus filhos e netos essa herança,
mas possa contribuir com 10% por geração para a sociedade.
A cada geração, a cada 25 anos. A mim, parece o mínimo
de justiça que o nosso Brasil precisa ter.
GUERRA FISCAL: O benefício fiscal estabelece a concorrência
desleal. O benefício não deixa de ser pago. Ele é
pago por outro contribuinte.
QUEDA-DE-BRAÇO: Não deveríamos estar, União,
estados e municípios, brigando para saber que pedaço vai
ficar para quem. Essa é uma briga errada, fora do foco e fora do
momento. Deveríamos estar todos juntos discutindo seis, oito, dez
medidas para atividade econômica, porque o Brasil vai crescer.
VINCULAÇÃO: Nós corremos o risco de essas
vinculações (para educação e saúde),
num determinado momento de crescimento, de pouco ou muito crescimento,
travarem o Orçamento.
A reforma de Palocci
Em sua exposição na CCJ do Senado, o ministro
da Fazenda, Antonio Palocci, listou alguns pontos que considera fundamentais
na reforma tributária:
ICMS: Unificação da legislação do
ICMS nos 26 estados e Distrito Federal e a definição de
cinco alíquotas;
FIM DA GUERRA FISCAL: Fim da guerra fiscal imediatamente e a busca
de outros mecanismos que promovam o desenvolvimento regional;
BAIXA RENDA: Desoneração da cesta básica
e de uma cesta de medicamentos da cobrança de ICMS;
MICROEMPRESAS: Ampliação do sistema Simples para
pagamento de impostos para pequenas e microempresas;
PRORROGAÇÃO: O ministro defendeu a extensão
da cobrança da CPMF e a prorrogação da Desvinculação
das Receitas da União até 2007;
HERANÇA: Progressividade do imposto sobre herança,
com alíquotas maiores para valores mais altos;
FIM DA CUMULATIVIDADE DA COFINS: A Cofins seria cobrada em uma
etapa da produção. Hoje ele incide em todas as etapas. O
ministro reconheceu que a alíquota de 3% teria que ser aumentada
para compatibilizar o fim da cobrança nas outras etapas.
Uma elegante troca de farpas
BRASÍLIA. A oposição bem que tentou apertar, mas
o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, recorreu ao bom humor para rebater
as farpas durante sua exposição no Senado. A ascendência
italiana do ministro, e a alemã, do presidente do PFL, senador
Jorge Bornhausen (SC), não foram impedimento para que os dois agissem
como britânicos ao discutir a reforma tributária. Sem elevar
o tom de voz, os dois duelaram na Comissão de Constituição
e Justiça (CCJ) durante a discussão sobre o aumento da carga
tributária no país. Bornhausen sustentou que os brasileiros
pagarão mais impostos com a reforma e o ministro negou insistentemente.
Bornhausen listou 12 pontos que, em seu entendimento, elevarão
a carga tributária.
- O senhor participou de um governo que aumentou a carga em um ponto
percentual a cada ano. Entre 1995 e 2002, a carga de impostos subir de
25,8% para 35,8%. O senhor concordou com esse aumento, agora faz um rol
de críticas e nem houve aumento de carga neste ano - disse Palocci,
numa referência aos dois mandatos do presidente Fernando Henrique.
Sem dar por encerrada a conversa, Bornhausen voltou à carga criticando
o ajuste fiscal. Segundo ele, não se pode dizer que os R$ 14 bilhões
representaram o ajuste porque a ampliação no número
de ministérios compromete a gestão do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva.
- Além do contingenciamento, tem a criação de ministérios
para premiar derrotados. Isso não é exemplo de corte de
gasto público - ironizou o senador.
O ministro evitou falar do crescimento no número de pastas, encerrando
o episódio com mais uma alfinetada em Bornhausen:
- Levo em consideração o que o senhor diz, porque o senhor
conhece muito sobre carga tributária, especialmente de aumento
de carga tributária...
As alfinetadas não partiram só do representante do PFL.
O PSDB também não perdeu a oportunidade de perguntar ao
ministro sobre a crise na Receita Federal e sobre a intenção
do governo de fatiar a reforma tributária. Palocci reagiu com serenidade
a uma provocação do tucano Arthur Virgílio (AM),
que disse que o governo teria apresentado a reforma apenas para aprovar
a prorrogação da CPMF e da Desvinculação das
Receitas da União (DRU). Virgílio acrescentou que o ministro
corria o risco de ter "um infarto de felicidade" se o Senado
anunciasse que promulgaria apenas a CPMF e a DRU, abandonando os demais
pontos.
- Temo pela sua saúde. Acho que o senhor teria um infarto de felicidade
se disséssemos que só iríamos aprovar a prorrogação
da CPMF e da DRU - disse Virgílio.
Tranqüilo, Palocci respondeu que ainda não testou sua saúde,
mas disse que espera não morrer com notícias desse tipo:
Virgílio pediu que Palocci explicasse as brigas internas na Receita,
mas o ministro disse que não comentaria o assunto. O próximo
interlocutor do ministro, o líder do PFL, Agripino Maia (RN), ironizou:
- O Virgílio ficou sentido porque o senhor não quis falar
sobre a crise na Receita, o que acaba por prejudicar a arrecadação.
Não vou tratar desse tema, mas tenho certeza que o senhor vai falar
e explicar tudo para a imprensa. ( Catia Seabra e Valderez Caetano )

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