Terça-feira, 04 de novembro de 2003

O Globo


Mesmo tributo, efeitos contrários
Cássia Almeida, Catia Seabra, Valderez Caetano e Vivian Oswald
RIO e BRASÍLIA

O fim do recolhimento em cascata da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e o aumento da alíquota de 3% para 7,6% — determinados pelo governo em medida provisória baixada sexta-feira — vão aumentar a carga tributária para a maioria dos setores da economia brasileira. Esta é a conclusão de estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), que avaliou o impacto da mudança na forma de cobrança do imposto e concluiu que, de 93 setores pesquisados, 67 terão aumento na carga tributária. Quem perde mais são as empresas que prestam serviços, por concentrarem gastos na mão-de-obra, que não gera crédito no pagamento da contribuição:

— O setor de serviços é o que mais perde nessa mudança. A alíquota sobe de 3% para 5,34% em média sobre o faturamento — afirma Gilberto Luiz do Amaral, presidente do instituto. — E o impacto nos preços sobe de 6,31% para 8,39%.

Na outra ponta, os exportadores têm um alívio de impostos. Segundo Amaral, eles já estavam isentos do pagamento do imposto, mas arcavam com o custo inflado da mercadoria pela cobrança em cascata. Agora, as exportações estão liberadas de qualquer tipo de cobrança:

— É mentira do governo afirmar que a medida teve um caráter neutro, que não aumentaria o imposto. Pelos nossos cálculos, a arrecadação vai crescer em R$ 12 bilhões. A alíquota ideal seria de 5%. Nesse caso, apenas 28% dos setores sofreriam aumento na carga. Da forma como foi, só 28% dos setores foram beneficiados.

Importadores também perdem

O secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, defendeu a MP, mas admitiu que haverá perdedores. Com a medida, a Cofins deixa de incidir nas diferentes etapas da produção.

— Vamos para o lado bom: o comércio ganha, a indústria ganha. Há um lado para compensar o que está perdendo. Ora, se tiramos o setor que perde, teremos novos ganhadores e novos perdedores. E com alíquota maior — disse Rachid.

Segundo o presidente do IBPT, outro grupo de empresas a perder é o que trabalha com produtos importados. Não há como ter crédito nesses itens, e a empresa vai arcar com a totalidade da alíquota, aumentando a cobrança em 153%. Amaral cita o setor de panificação, que é obrigado a importar trigo, pois o país produz apenas 20% do que é consumido no Brasil, e o de insumos agrícolas de adubos e fertilizantes.

Ainda que admitindo que há perdedores com a MP, Rachid assegurou que ela tem um efeito final neutro, ressaltando que há perdas e ganhos.

— Todo o anseio da sociedade era transformar a Cofins de um modelo cumulativo para um não cumulativo. Ora, nesse modelo, a exemplo do que o ocorreu com o PIS, uns ganham e outros perdem. E há um efeito neutro — disse Rachid. — Não há por que questionar em relação aos serviços, como estão reclamando. Até porque esse valor que é pago pelos serviços é crédito para quem contrata esse serviço.

Já o secretário-adjunto de Tributação da Receita, Carlos Alberto Barreto, admitiu que o setor de serviços pode ter sua carga aumentada:

— Há serviços e serviços, e existem também casos no setor em que a carga vai diminuir.

Segundo Barreto, podem ter que pagar mais imposto os call centers , as grandes firmas de consultoria e auditoria, administradoras de recursos humanos e empresas de terceirização de mão-de-obra.

— O setor de serviços tem cadeias menores e, por isso, em alguns casos, pode ter de pagar um pouco mais — disse Barreto.

Pelas novas regras, só muda a forma da cobrança da Cofins para quem paga seus tributos pelo regime de lucro real. Ou seja, empresas com faturamento superior a R$ 48 milhões e as que ganham menos do que isso por ano, mas também recolhem os impostos pelo lucro real.

Segundo Barreto, o setor varejista deve ser o mais beneficiado por ter uma cadeia produtiva longa. Ele acredita que a redução dos custos deste setor pode ter reflexos nos preços dos consumidores:

— A carga para os varejistas deve diminuir e os seus preços, também.

Para a grande maioria dos casos, disse Barreto, a alíquota média da Cofins deve permanecer a mesma ou até cair. Isso porque, pelas regras em vigor, cada empresa é obrigada a pagar 3% do seu faturamento pela contribuição. O novo modelo prevê o pagamento de 7,6% em apenas uma etapa da produção e ainda permite o desconto de todos os custos das empresas. À exceção de mão-de-obra e importação, todos os outros gastos podem ser abatidos do valor da Cofins, o que não acontecia antes.

A exemplo do que já acontece hoje com o modelo não cumulativo do PIS (base para as novas regras da Cofins), ficam fora da nova sistemática as empresas cujas receitas sejam decorrentes dos serviços de telecomunicações, de prestação de serviços jornalísticos e de radiodifusão sonora e de sons e imagens.

Para o advogado tributarista Gabriel Troianelli, o fim da cumulatividade é bom para a economia, mas vai aumentar a carga dos prestadores de serviços.

— Quem trabalha com grandes margens, como os prestadores de serviços, terá de arcar com um grande aumento de carga — disse o ex-secretário-adjunto da Receita Agenor Manzano.

Tributarista: alta pode chegar a 153%

O tributarista Ilan Gorin faz coro às reclamações sobre o aumento da carga tributária. Pelas suas simulações, o valor total dos impostos federais (Imposto de Renda, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, Cofins e PIS) pode crescer até 153% com as mudanças:

— Houve um aumento geral na carga tributária federal.

Gorin fez uma simulação usando uma empresa fictícia de prestação de serviços, que fatura R$ 1 milhão por mês, mas sem lucro algum. A carga da Cofins sobe de R$ 30 mil para R$ 76 mil, disse.

Segundo Gorin, a forma de fazer o planejamento tributário vai mudar completamente. No início do ano, a empresa tem de optar se vai pagar IR sobre o lucro presumido ou real. No caso das prestadoras de serviço, se o lucro costuma passar de 32% do faturamento, a opção é pagar o IR pelo lucro real.

— Isso mudou. Ao se escolher o lucro presumido, a alíquota de PIS e Cofins passa a ser a antiga, bem menor, apesar de o IR ser maior. Agora, não basta só avaliar qual o lucro: é preciso pesar o impacto dessas contribuições.

O tributarista diz que as empresas de serviços que têm lucro superior a 16% devem escolher pagar o IR sobre o lucro presumido. Para o comércio de importados, Gorin aconselha optar sempre pelo presumido, qualquer que seja o lucro. No comércio varejista que vende mercadoria nacional, a opção pelo presumido só deve ser feita se o lucro for maior de 5,5%.

— Na indústria, o ideal é escolher o presumido quando o lucro for superior a 2% — aconselha Gorin.

 

OAB estuda contestar na Justiça aumento da alíquota da Cofins
Valderez Caetano, Ledice Araujo e Germano Oliveira

BRASÍLIA, RIO e SÃO PAULO. O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Rubens Approbato Machado, disse ontem que a entidade estuda a possibilidade de ajuizar uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contra a Medida Provisória 135, assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva sexta-feira passada.

A MP vem provocando polêmica entre as empresas prestadoras de serviços, cuja alíquota da Cofins sofreu um reajuste de 153%, chegando a 7,6%, além da retenção do Imposto de Renda na fonte, que passará de 1,5% para 6,15%. Segundo o ex-secretário da Receita Everardo Maciel, o governo, ao calibrar a alíquota em 153%, apenas usou a mesma metodologia para fixar a alíquota do PIS, há dois anos, quando o imposto também perdeu a característica de cumulatividade.

O presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), João Carlos de Oliveira, apoiou a mudança da cobrança da Cofins, mas considera que a alíquota deveria ser de 6,6% ou 6,7%:

— Creio que os 7,6% foram muito altos.

Fecomércio-SP critica a ‘elevação da carga tributária’

A Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP) considera muito elevado o aumento de 3% para 7,6% na alíquota da Cofins. Em nota divulgada ontem, a entidade diz que a MP que acaba com a cumulatividade da Cofins, ao contrário do que espera o governo, vai acabar inibindo os investimentos e prejudicando o setor de serviços.

“A Fecomércio-SP avalia que a mudança prejudicará bastante as empresas prestadoras de serviços, que terão mais uma elevação de carga tributária, a exemplo do que aconteceu com a alíquota do PIS. Estas empresas não se beneficiarão do crédito que o fim da cumulatividade possibilita, já que a maior parte de suas despesas é com mão-de-obra, ao contrário de outros setores”, diz a nota da entidade, assinada pelo seu presidente, Abram Szajman.

Ainda segundo a Fecomércio-SP, o governo poderia manter a arrecadação atual da Cofins com uma elevação menor da alíquota, sem perda de receita.


Oposição elogia fim da cumulatividade do tributo mas critica alta para 7,6%
Valderez Caetano, Cátia Seabra e Isabel Braga

BRASÍLIA. A decisão do governo de editar a Medida Provisória 135, tirando a cumulatividade da Cofins e aumentando a alíquota de 3% para 7,6%, foi motivo ontem de bate-boca no plenário do Senado entre a oposição e o líder do governo, Aloizio Mercadante (PT-SP). Apesar de considerar correto o fim a cumulatividade, o líder do PSDB, Artur Virgílio (AM), chamou de pornográfica a elevação do tributo.

Já o líder do PFL no Senado, Agripino Maia (RN), que também elogiou o fim da cobrança em cascata, disse que o aumento da alíquota da Cofins é “queda e coice para a pequena classe média do Brasil”.

— Quem está pagando a conta, sem sombra de dúvida, são médicos, engenheiros, advogados e prestadores de serviços da construção civil. São essas pessoas que serão obrigadas ou a sonegar ou desistir da atividade — disse Maia.

Para o senador, o que o governo fez ao editar a MP foi antecipar receitas, com a desculpa de estar beneficiando agentes econômicos.

— Atropelaram uma proposta de emenda constitucional (que trata da reforma tributária) com uma medida provisória. É um desrespeito ao Congresso — disse o líder do PFL.

Monteiro: ‘Não se justifica um tributo tão alto’

O presidente da Confederação Nacional da Indústria, deputado Armando Monteiro (PTB-PE), disse que a medida é positiva porque desonera o setor produtivo. Mas ele também criticou a alíquota de 7,6%. Segundo Monteiro, pelos estudos do setor, o ideal para evitar aumento de carga seria, no máximo, 6%:

— Essa alíquota vai significar aumento de carga global. A base já vai incidir sobre as importações, então não se justifica um tributo tão alto.

Em defesa do governo, Mercadante disse que a grande contribuição da medida será a desoneração das exportações. Ele reconheceu, porém, que o setor de serviços poderá passar a pagar mais pela contribuição.

— Toda a cadeia produtiva exportadora vai deixar de ser punida, e a indústria nacional ganhará competitividade, uma vez que os bens importados passarão a pagar a Cofins — disse Mercadante.

O líder do governo negou que a edição da MP seja um sinal de descrédito do governo em relação à aprovação da reforma tributária e garantiu que o governo não está desrespeitando o Congresso:

— Mesmo que a reforma tributária seja feita este ano, esta medida teria de ser editada. Esta MP cumpre exigência legal prevista na lei que acabou com a cumulatividade do PIS, aprovada pelo Congresso. Essa lei estabeleceu que a partir de 2004 não haveria mais a cumulatividade da Cofins — disse Mercadante.

O senador Álvaro Dias (PR) protestou:

— O governo lança mão de MP em meio à discussão de uma reforma tributária. O único plano do governo é aumentar sua receita. O governo desrespeita o papel do Legislativo.