Quarta-feira, 26 de novembro de 2003
O Globo
PMDB adia festa do governo
Adriana Vasconcelos e Cristiana Lôbo*
BRASÍLIA
O governo já tinha feito a última contagem de votos e dava
como certa a aprovação em primeiro turno da reforma da Previdência
quando foi surpreendido ontem por uma rebelião comandada pelo líder
do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), que provocou o adiamento da votação
para hoje. Oficialmente, Renan se disse irritado por não ter sido
consultado sobre o acordo fechado na véspera com o governador do
Rio Grande do Sul, Germano Rigotto (PMDB), para manter o texto aprovado
na Câmara sobre o subteto nos estados.
Peemedebistas disseram, porém, que o líder do PMDB resolvera
esticar a corda porque estaria insatisfeito por não ter recebido
do governo um sinal concreto de que o partido receberá, na reforma
ministerial, pastas importantes.
A aprovação da reforma da Previdência ontem era dada
como certa pelo governo, que corre contra o tempo para conseguir aprovar
também as mudanças no sistema tributário ainda este
ano.
Atacando o governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), que articulou
o acordo com Rigotto, Renan decidiu mostrar o peso de sua bancada e, por
pouco, não inviabilizou as negociações governistas
ao anunciar que o PMDB insistiria na supressão desse artigo. O
presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), precisou intervir
e convocou reunião de emergência com todos os líderes.
Peemedebistas ficaram enciumados
Renan acabou recuando e o governo conseguiu fechar um acordo com a oposição,
mas a votação teve de ser adiada. Durante o dia, governistas
tentavam explicar a atitude do líder do PMDB, já que o acordo
sobre o subteto tivera o aval de Rigotto, que era justamente quem vinha
pressionando a bancada peemedebista para suprimir a proposta dos três
subtetos. Rigotto considerou o acordo muito bom, pois permitirá
que os estados adotem o subteto único. Ele não teve contato
com Renan ontem.
Uma explicação possível seria a falta de habilidade
do líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), que
teria valorizado em excesso o apoio dos tucanos dissidentes, deixando
os peemedebistas enciumados. Um diálogo entre Renan e Mercadante
era apontado como o estopim da crise.
Vocês estão dando muito valor ao PSDB reclamou
Renan.
Preciso de pelo menos cinco votos do PSDB para aprovar a reforma
respondeu Mercadante.
Então, vocês não precisam do PMDB rebateu
o peemedebista, antes de decidir desafiar o governo.
Interlocutores do peemedebista disseram que, por trás do gesto
de Renan, estaria também sua insatisfação com a demora
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para decidir que espaço
caberá ao PMDB no governo. Renan, que na semana passada acompanhou
Lula numa viagem a Alagoas, teria ficado frustrado com as indicações
de que não serão extintos tantos ministérios como
se imaginava.
Não dá para ser Tiradentes,
diz
O discurso de Lula em defesa do secretário da Pesca, José
Fritsch, serviu ontem para confirmar os temores dos peemedebistas.
Em seu rompante, porém, Renan preferiu voltar suas baterias contra
Aécio, alegando que ele teria afirmado que o Senado seria imoral
se não mantivesse os três subtetos.
A esperteza de Aécio é inadmissível. Não
dá para ser Tiradentes com a cabeça do servidor atacou
o líder peemedebista.
A reação dos tucanos, que estavam reunidos para decidir
a estratégia na votação, foi imediata. Aécio
telefonou reclamando para o líder do PSDB, senador Arthur Virgílio
(AM), que chegou à reunião convocada por Sarney anunciando
que sua bancada fechara questão contra a reforma, em razão
do rompimento do acordo sobre o subteto.
Não aceitamos o rompimento do acordo e não estamos
aqui para ter um companheiro nosso insultado justificou Virgílio.
Diante do clima tenso, Sarney chegou ameaçar suspender a sessão
de votação da reforma:
Se não houver entendimento, não boto a reforma em
votação. Esse é um assunto importante que exige responsabilidade
de todos.
Mais calmo, Renan foi convencido a telefonar para Aécio se desculpando.
Isso abriu caminho para que o governo fechasse um acordo de procedimento
com a oposição.
Questão de ordem causou novo embate
Embora estivesse acertado que, antes de analisar o texto principal seria
votado um requerimento propondo que as 112 emendas de plenário
fossem incorporadas à chamada PEC paralela, o senador Demóstenes
Torres (PFL-GO) apresentou uma questão de ordem contra a medida.
Sarney indeferiu o pedido e ele recorreu ao plenário, sendo derrotado
por 47 votos favoráveis à decisão da Mesa e 22 contra.
Após esse embate, Sarney, que passou o dia com crise de labirintite
e demonstrava preocupação com o acirramento dos ânimos,
propôs o adiamento da votação. Ficou acertado que
cada um dos 81 senadores terá direito de debater por cinco minutos,
o que poderá prolongar a sessão por mais de sete horas.
Também ficou assegurado que pelo menos oito requerimentos de pedidos
de destaques da oposição terão votação
nominal, para que os líderes marquem posição.
O governo sentiu o golpe. No fim do dia, a cúpula petista não
escondeu sua decepção com o comportamento do PMDB no Senado.
Esse episódio mostrou a diferença de interlocutores.
O PMDB da Câmara segurou o tranco e se credenciou junto ao governo
resumiu um cacique petista.
(*)Da GloboNews.com
Em busca dos votos petistas
BRASÍLIA. Uma das preocupações da cúpula petista
ontem era garantir o mínimo possível de dissidências
entre os 14 senadores do partido. A senadora Heloísa Helena (PT-AL),
que já anunciou seu voto contra e está ameaçada de
expulsão, foi a única que não ouviu qualquer apelo
do líder da bancada, senador Tião Viana (AC), e do presidente
do partido, José Genoino, que começou logo cedo sua peregrinação
no Senado. As articulações envolveram ainda o ministro da
Previdência, Ricardo Berzoini, e até mesmo o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva.
Um dos principais alvos desse grupo de articuladores foi o senador Paulo
Paim (PT-RS), que até o fim do dia ainda fazia mistério.
Conversei com o Tião, o Genoino, o Mercadante, o ministro
e ainda devo receber um telefonema do presidente, mas não me decidi.
Só decidirei isso na hora disse.
O trabalho da cúpula petista surtiu efeito sobre o senador Flávio
Arns (PT-PR), que ameaçava votar contra a proposta do governo.
Ele confirmou que deverá seguir a orientação do partido,
embora estivesse disposto a votar a favor de alguns requerimentos de destaque.
Isolada pelo partido, Heloísa Helena ocupou a tribuna do Senado,
ontem à tarde, e fez um discurso em tom de despedida do partido.
A senadora não conseguiu conter as lágrimas ao lembrar que
corre o risco de ser expulsa do PT. Apesar disso, ela disse que prefere
a expulsão a ter que jogar fora toda a sua trajetória política.
Este é um dos momentos mais difíceis da minha vida.
Choro porque dediquei anos da minha vida ao PT, e não me arrependo
de ter feito isso. Mais vale o coração partido que a alma
ferida. Podem me tirar a legenda, mas minhas convicções
não têm preço declarou. ( Adriana Vasconcelos
)
Aécio ironiza argumentos de Renan
Sueli Cotta
BELO HORIZONTE. As críticas do líder do PMDB no Senado,
Renan Calheiros, ao governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB),
não ficaram sem resposta. Ao saber que Renan o havia acusado de
atrapalhar o acordo sobre subteto dos salários do funcionalismo
nos estados, dizendo que o governador mineiro queria ser Tiradentes
com a cabeça do servidor público, Aécio reagiu
com ironia. Para o governador mineiro, se o alagoano Renan Calheiros acha
adequado que seu estado pague salários de R$ 18 mil para o funcionalismo
público, em Minas isso não é possível.
Eu tenho um enorme respeito pelo meu amigo Renan Calheiros. Se
ele acha que é adequado, se o seu estado poderá pagar, e
eu não conheço profundamente a realidade do seu estado,
um salário de R$ 18 mil, R$ 19 mil para o funcionalismo público,
o que eu posso dizer é que Minas não pode pagar este salário.
Por isso Minas vai estabelecer o teto com o salário do governador,
e vão ganhar todos. Tenho certeza de que ele, refletindo um pouco
mais sobre a importância dessa medida, com o bom senso que tem,
vai aplaudi-la respondeu Aécio.
O tucano havia protestado contra a possibilidade de o governo alterar
a reforma da Previdência, retirando o ponto que permite aos estados
terem três subtetos salariais, para os servidores estaduais do Executivo,
do Legislativo e do Judiciário. Em nome do governador gaúcho
Germano Rigotto, o PMDB de Renan defendia um subteto único. Para
Aécio, isso levaria à perpetuação dos marajás,
já que os salários seriam puxados para cima, tendo como
referência os vencimentos dos desembargadores.
Logo que assumiu o governo de Minas, Aécio mandou projeto à
Assembléia Legislativa reduzindo o seu salário de R$ 19
mil para R$ 10 mil. O projeto foi aprovado em primeiro turno, mas está
parado. Aécio alega, no entanto, que desde que decidiu reduzir
seu salário, vem recebendo o valor mais baixo, que diz considerar
adequado à realidade do estado.
Lula
pede palmas para o Congresso:
Aprovaram tudo o que foi pedido
Cristiane Jungblut
Enviada especial
LUZIÂNIA (GO). No dia em que o governo tentava, sem sucesso, votar
a reforma da Previdência no plenário do Senado, o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou a Conferência Nacional
de Aqüicultura e Pesca para elogiar o Congresso. Lula pediu que à
platéia de mais de mil pescadores que aplaudisse o fato de a Câmara
e o Senado terem feito até agora um trabalho sério.
O presidente citou o projeto de lei que reduz de três para um ano
o prazo para que o pescador tenha direito ao seguro-desemprego durante
o período de reprodução dos peixes, a piracema, quando
a pesca fica proibida.
Quero dizer que não basta vocês baterem palmas para
o Fritsch e para mim. É preciso que a gente reconheça o
trabalho sério que a Câmara e o Senado fizeram. Aprovaram
tudo o que foi pedido até agora disse Lula, referindo-se
ao secretário nacional de Aqüicultura e Pesca, José
Fritsch, que estava ao seu lado.
Ao falar de seus 11 meses de governo, Lula disse que não é
presidente para fazer milagres e prometeu mais recursos para
investimento no Orçamento de 2004, dizendo que o Brasil só
precisa de uma chance para dar certo:
Sou presidente não com o objetivo de fazer milagres, porque
esses só Deus faz.
Lula disse ainda que não tem a obrigação de fazer
tudo no primeiro ano:
Se não fizeram durante tanto tempo, não temos a
obrigação de fazer as coisas no primeiro ano. Temos que
nos preparar para fazer.
Em outro momento, pediu que os pescadores continuem cobrando do governo:
Mas podem ficar certos de que podemos fazer muito mais do que
já fizemos. Muito mais. Não há vergonha e não
existe nada de errado quando o governo, que não tem a obrigação
de fazer tudo, não souber. Em vez de fazer errado, como historicamente
aconteceu neste país, é melhor consultar aqueles que sabem.
Além de elogiar os parlamentares, Lula também distribuiu
afagos aos governadores e prefeitos de outros partidos. Ele disse que
tratou de forma igual toda a classe política, não importando
o partido. O presidente estava ao lado do governador de Goiás,
Marconi Perillo, que momentos antes ressaltara seu apoio ao governo, apesar
de ser do PSDB. Perillo anunciara que investirá R$ 1 para cada
R$ 5 que a União aplicar em reforma agrária em Goiás.
Empolgado, Lula encerrou seu discurso parecendo ainda estar em campanha:
Até a vitória, se Deus quiser! afirmou.
IR: governo tira projeto
de comissão
Catia Seabra
BRASÍLIA. Insatisfeito com o relatório do deputado Antonio
Cambraia (PSDB-CE), o governo decidiu retirar da Comissão de Finanças
e Tributação o projeto que prorroga a alíquota máxima
do Imposto de Renda em 27,5%, levando-o diretamente ao plenário.
À noite, o governo ainda tentava aprovar um requerimento de urgência
para que a votação seja apenas em plenário, impedindo
que Cambraia apresente seu projeto de correção de toda a
tabela do IR. No plenário, seria designado um novo relator.
Apesar de a Receita Federal afirmar que a correção da tabela
ainda é objeto de estudos, o líder do governo na Câmara,
Aldo Rebelo (PCdoB-SP), e o vice-líder, Beto Albuquerque (PSB-RS),
negociavam com o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e o chefe da Casa
Civil, José Dirceu, alguma medida em favor do contribuinte.
Queremos um relator mais responsável, que entenda que,
apesar do esforço do governo, não se pode aprovar uma correção
que só para o Rio provoca uma perda de R$ 100 milhões. Mas
estamos estudando uma série de medidas, como aumentar um pouco
a faixa de isenção, ou corrigir alguns itens das deduções
disse Albuquerque.
Porém, Jorge Rachid, secretário da Receita, insistiu ontem
que a proposta do governo é prorrogar os 27,5% e que a correção
de distorções é apenas um estudo.
O vice-líder do governo Professor Luizinho (PT-SP) deixou evidentes
as dificuldades:
O ano é duro. Não temos condições
de corrigir a tabela. Mas prometemos um projeto com novo modelo de IR,
incluindo mais faixas.
Antes, numa reunião com vice-líderes do PT, Rachid disse
que era pequena a margem também para qualquer modificação
na MP que dá fim à cumulatividade da Cofins, fixando, porém,
uma alíquota de 7,6%.
Avisado pelos líderes de que dificilmente o texto da Cofins será
aprovado como está, o governo se comprometeu a apresentar, na terça-feira,
estudos com o impacto da redução ou isenção
de alíquotas para os setores de serviços ou de cadeia produtiva
enxuta. O PP confirmou a resistência.
O governo vai ter que negociar esse texto endossou o líder
do PMDB, Eunício Oliveira (CE).

|