Sábado, 29 de novembro de 2003

O Globo

REFORMAS: EM DISCURSO PARA EXPORTADORES, ELE DEFENDE INDEPENDÊNCIA EM RELAÇÃO AOS INTERESSES AMERICANOS

Lula: não há política tributária perfeita no mundo

Presidente admite que reforma não é a ideal mas diz que ela evitará medidas de choque e será votada antes do Natal

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem no Rio que espera a aprovação da reforma tributária antes do Natal. O projeto está em tramitação no Senado. Em discurso de encerramento do 23º Encontro Nacional de Comércio Exterior, no Hotel Glória, ele admitiu que o projeto não é perfeito, mas disse que reflete um consenso e evitará a adoção de “planos mirabolantes” no futuro.

— É a reforma ideal, a perfeita? Logicamente que não. Mas em que lugar do mundo existe a política tributária perfeita? No dia em que existir um país em que as pessoas não critiquem a carga tributária... Acho que este país não existe. É o do faz-de-conta — disse.

Lula diz que poupa o governo anterior

Lula abriu o discurso com uma série de medidas na área do comércio exterior. Em seguida, abandonou os papéis para falar de improviso para cerca de 400 pessoas que lotavam o centro de convenções do hotel. Ele disse que se considera o primeiro presidente brasileiro a evitar críticas ao governo do antecessor.

— Fiz a coisa certa porque não caberia ao presidente, ao tomar posse e constatar a situação econômica que o país atravessava, ficar sentado na sua cadeira reclamando do governo anterior. Poucas vezes, na História do país, o presidente fez questão de esquecer o governo anterior e pensar um pouco no futuro — disse Lula, que já chamou os antecessores de covardes e vive reclamando da “herança maldita” que diz ter recebido.

O presidente, no entanto, deixou escapar no mesmo discurso:

— Não faltaram aqueles que ousaram duvidar que não conseguiríamos tirar o Titanic do iceberg, corrigir o seu casco e começar a discutir qual o rumo que este país vai tomar.

Presidente pede para Lessa “vender otimismo”

Lula também admitiu que, em conversa com o presidente do BNDES, Carlos Lessa, aconselhou o subordinado a evitar referências aos problemas enfrentados pelo banco:

— Disse a Lessa: vamos sair desta reunião vendendo otimismo, dizer que o BNDES não tem penduricalho. Está tudo maravilhoso. Porque, se um presidente da República sair para a rua vendendo decepções e desilusões, a pergunta que faço é: por que o povo então teria que ser otimista?


LÍDERES CORREM PARA APROVAR REFORMA

PSDB e PFL fazem exigência para votar reforma tributária em dezembro

BRASÍLIA. Os líderes do governo estão correndo contra o tempo e terão os cinco dias úteis da próxima semana para fechar um acordo com a oposição que viabilize a votação da reforma tributária antes do Natal. Para fechar uma proposta que atenda aos interesses do governo federal, dos governadores e da oposição, o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), reuniu-se ontem com o relator da reforma, Romero Jucá (PMDB-RO); o secretário da Receita, Jorge Rachid; e com o secretário-executivo-adjunto do Ministério da Fazenda, Arno Augustin. Na segunda-feira, uma versão preliminar será submetida por Mercadante ao ministro da Fazenda, Antonio Palocci. No dia seguinte, o texto será levado aos senadores oposicionistas Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Rodolpho Tourinho (PFL-BA).

— Temos que fechar um acordo na semana que vem, do contrário não poderemos cumprir os prazos necessários para votar a reforma em dois turnos ainda esta ano. Se houver entendimento podemos, inclusive, abrir mão do intervalo de cinco dias entre a primeira e a segunda votações — afirmou Jucá.

O relator da reforma explicou ontem que a reforma será implantada em três fases, mas haverá uma única votação. Desta forma, entraria em vigor de imediato a prorrogação da CPMF e da Desvinculação das Receitas da União (DRU), o Fundo de Desenvolvimento Regional e o de compensações aos estados pelas perdas com as isenções concedidas às exportações. A implementação da unificação do ICMS ficaria adiada para 2005 ou 2006, dando tempo para regulamentar a legislação federal única, para criar as cinco alíquotas e para o Senado aprovar os percentuais. Para 2007 ficariam temas mais polêmicos, como a unificação das contribuições sociais, a implantação do Imposto sobre Valor Agregado ou a transição da cobrança do ICMS da origem para o destino.

A oposição está disposta a facilitar a votação da reforma tributária. Mas tanto o PFL quanto o PSDB cobram concessões do governo. O líder do PFL, senador Agripino Maia (RN), disse que, para seu partido, a boa vontade está relacionada a medidas de desoneração dos contribuintes, a ampliação do Fundo de Participação dos Municípios e a garantir da viabilidade do Fundo de Desenvolvimento Regional.

— O governo sabe há dois meses qual é o entendimento que o PFL deseja para facilitar a aprovação da reforma. Para encurtar prazos, só fazendo concessões à oposição. Se eles não negociarem, vamos exigir o cumprimento dos prazos regimentais — disse Agripino.

O PSDB também faz exigências para ajudar o governo a aprovar a reforma ainda este ano. Para os tucanos, deveria votar aquilo que for emergencial para o governo federal e para os governadores, deixando para uma segunda etapa as questões mais complexas. Nesta lista eles incluem a CPMF, a DRU, o Fundo de Desenvolvimento Regional e o fundo de compensação pelas perdas da Lei Kandir. O líder do PSDB, senador Arthur Virgílio (AM), cobrou do governo a apresentação de uma proposta amarrada, que atenda não apenas ao que interessa o governo federal, mas também ao que diz respeito aos governadores.

— Queremos no papel as questões que atendem aos governadores. Não aceitamos que fiquem no plano da intenção. Reforma sim, acordo sim, mas embromação nunca — afirmou Virgílio.

Falando sobre o Fundo de Desenvolvimento Regional, Jucá disse que será preciso criar uma transição, pois a União não tem condições de garantir um investimento anual de R$ 2 bilhões em 2004 e 2005. Sua idéia é fixar patamares mínimos, chegando aos R$ 2 bilhões no exercício de 2006. No caso da CPMF, além de aprovar sua vigência nos próximos dois anos, Jucá negocia a aprovação, num artigo separado, da criação da contribuição permanente, mas fixando um cronograma decrescente da alíquota de 0,38% até seu nível mínimo 0,08%.