Quarta-feira, 03 de dezembro de 2003

O Globo

IR de 27,5% é prorrogado

Valderez Caetano, Gerson Camarotti e Geralda Doca*
BRASÍLIA, SÃO PAULO e RIO

Mesmo massacrado pelas críticas da oposição, o governo usou ontem o seu rolo compressor e conseguiu aprovar, na Câmara dos Deputados, por votação simbólica, a prorrogação por mais dois anos da alíquota de 27,5% do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) sem dar qualquer compensação aos contribuintes. O projeto agora seguirá para votação no Senado. O governo pretendia aprovar a prorrogação por tempo indeterminado.

Caso a aprovação seja confirmada no Senado, o governo garantirá arrecadação extra de R$ 1,7 bilhão em 2004, quando a alíquota máxima do IR deveria cair para 25%. A alíquota de 27,5% vem sendo prorrogada sistematicamente desde novembro de 1997, quando o governo Fernando Henrique aprovou o Pacote 51. Na época, o aumento do IR também deveria vigorar apenas por dois anos.

A base do governo no Congresso vinha prometendo uma correção de 10% na tabela do imposto, mas recuou por pressão da equipe econômica e dos governadores que temiam perda de receita. O governo precisa cobrir no orçamento de 2004 um buraco que chega a R$ 6,5 bilhões.

— Estamos diante de uma extorsão, de um assalto. Não corrigir a tabela do imposto é extorquir da massa trabalhadora — protestou José Carlos Aleluia (BA) líder do PFL.

PSB se rebela contra prorrogação

O governo enfrentou apenas uma dificuldade ontem no plenário e dentro da sua própria base. No meio da tarde, o PSB se rebelou e ameaçou votar contra o projeto caso a alíquota de 27,5% fosse prorrogada indefinidamente. Temendo o fracasso na votação, o líder do governo na Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), depois de telefonar para integrantes da área econômica do governo, concordou em prorrogar a alíquota de 27,5% por dois anos. O PSB queria a prorrogação apenas por um ano.

— Isso facilita a unidade da base aliada — disse o líder do governo.

A decisão de não alterar a tabela do imposto e apenas prorrogar a alíquota de 27,5% foi tomada na véspera pela base governista sob alegação de que essa era a vontade de governo, governadores e prefeitos. Na semana passada, o deputado José Pimentel (PT-CE) fez uma sondagem junto aos governadores que representam as cinco regiões geográficas do país. Por unanimidade, eles disseram temer a perda de arrecadação.

A oposição acusou o governo do PT de ter abandonado seu discurso do passado para votar um novo arrocho sobre a classe trabalhadora. O PFL e o PSDB tentaram adiar a votação, mas seus requerimentos foram derrubados. O PT conseguiu inverter a pauta do plenário para que o projeto fosse votado antes do relatório de Antônio Cambraia (PSDB-CE), que previa a correção da tabela em 22,87%.

— Deu amnésia geral na base do governo. Eles esqueceram toda a sua luta em defesa dos assalariados e das minorias — disse o deputado Pauderney Avelino (PFL-AM).

Para tentar amenizar o custo político da prorrogação, o presidente da Câmara, João Paulo Cunha, disse, antes da votação, que era a favor de uma tabela mais justa com mais faixas de desconto para tornar o imposto mais progressivo. Mas que no momento não era possível:

— Defendo uma posição mais favorável ao contribuinte, mas tenho sensibilidade para entender o momento que estamos vivendo — disse João Paulo.

O líder do PSDB, Jutahy Júnior (BA), criticou o governo:

— É decepcionante a posição que o PT e o governo estão adotando. Eles assumiram um compromisso público de que haveria uma mudança na tabela do Imposto de Renda.

O líder do PSDB causou constrangimento ao PT quando apresentou uma cartilha publicada em 2000 pelo então deputado e hoje ministro da Previdência Ricardo Berzoini e intitulada: “Saiba como e por que você está sendo confiscado pelo Imposto de Renda”. Na cartilha, Berzoini escreveu que, de 1995 a 1999, o crescimento da arrecadação foi de R$ 5 bilhões, em um período de desemprego e arrocho salarial.

Centrais prometem união contra governo

As centrais sindicais deixaram claro ontem que não vão aceitar a manutenção da tabela do Imposto de Renda e que vão se unir em manifestações contra o governo. A Força Sindical disse que vai entrar com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a correção da tabela. Ontem, os sindicalistas fizeram uma romaria pelo Congresso para tentar convencer os líderes governistas a corrigir a tabela e usaram como argumento o reajuste obtido na campanha salarial deste ano. Com o aumento, os trabalhadores passarão a contribuir mais, perdendo para a Receita parte do ganho salarial que conseguiram.

Após encontro com o presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), os sindicalistas disseram que o governo está intransigente e que não vai corrigir a tabela.

— Vamos iniciar um processo de manifestação no sentido de chamar a atenção da sociedade para o problema. A Força, a CUT e outras centrais estarão unidas — disse o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Luiz Marinho.

— Não aceitaremos e vamos entrar no STF, pedindo a correção da tabela — emendou o presidente da Força, Paulo Pereira da Silva, Paulinho.

Ele acusou o governo de retirar dos trabalhadores o que eles ganharam na companha salarial se não reajustar a tabela.

— Os empresários deram algum salário para o trabalhador e o governo vai tomar com a outra mão — afirmou Paulinho.

O líder sindical lembrou que o reajuste da maioria dos trabalhadores metalúrgicos ficou em 18%. Segundo ele, com esse aumento, trabalhadores que eram isentos terão que pagar Imposto de Renda e quem já contribuía terá que desembolsar ainda mais para o Fisco.

Marinho reclamou que recebeu do presidente Lula e do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, há uma semana, a promessa de que assunto seria discutido no Congresso.

A Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos e o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, vinculados à Força Sindical, decidiram recorrer à Justiça para pedir a correção da tabela. As duas entidades pedem a correção da tabela pelo INPC acumulado desde janeiro de 2002.

— O Leão vai engolir todo o reajuste salarial que foi conquistado na negociação deste ano. Isso é um confisco — afirmou o presidente do sindicato, Eleno José Bezerra.

— O aumento de salário do trabalhador, que serviria para corrigir as perdas com a inflação e recompor o seu poder de compra, é taxado como se fosse um aumento de renda. A mesma correção pela inflação deveria ser aplicada à tabela do IR. Desta forma, o desconto seria proporcional e mais justo com o trabalhador — disse o tributarista Ilan Gorin.

Pelas simulações de Gorin, um trabalhador que receba R$ 5 mil pagará R$ 837 por mês de imposto com a prorrogação dos 27,5%. Se a alíquota voltasse a 25%, o valor seria de R$ 775.

COLABORARAM Aguinaldo Novo e Fábio Nascimento