Sexta-feira, 12 de dezembro de 2003
O Globo
Batalha encerrada
Catia Seabra
BRASÍLIA
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva conquistou ontem
uma vitória perseguida, sem êxito, pelo antecessor Fernando
Henrique Cardoso durante oito anos: venceu a última votação
necessária e aprovou definitivamente, por 51 votos a 24, a reforma
da Previdência que institui, entre outras medidas, a cobrança
de contribuição previdenciária de 11% de funcionários
públicos aposentados. Aprovada em segundo turno no plenário
do Senado às 19h de ontem, a reforma aumenta em sete anos a idade
mínima 55 anos para mulheres e 60 anos para homens
para os servidores se aposentarem e reduz o valor das pensões em
30% sobre o que exceder R$ 2.400. A emenda constitucional, que começou
a tramitar há oito meses, deverá ser promulgada nos próximos
dias pelo presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), juntamente
com a reforma tributária.
Como três senadores que votaram com o governo no primeiro turno
faltaram à sessão de ontem, o resultado foi acompanhado
com a apreensão. O governo teve apenas dois votos a mais do que
necessário.
Contamos voto a voto. Visitamos até os toaletes na hora
da votação contou o relator da reforma e líder
do PT, Tião Viana (AC).
As principais medidas aprovadas nesta reforma estão de acordo
com a proposta original do governo Fernando Henrique, que sofreu oposição
do PT e de parte da base governista, e acabou desfigurada. A emenda promulgada
em 1998 mexeu mais com os trabalhadores da iniciativa privada, sem estabelecer
a taxação dos servidores inativos.
A reforma aprovada deverá produzir uma economia anual média
de R$ 2 bilhões aos cofres da União. Benefícios semelhantes
estão assegurados às finanças dos estados, o que
garantiu o apoio da maioria dos governadores à reforma.
Ausências reduziram vantagem do governo
Entre os senadores que deixaram de votar em favor da reforma no segundo
turno está o senador Marcelo Crivella (PL), do Rio. Segundo informação
de seu gabinete, Crivella foi escolhido por Sarney para representar o
Senado numa comissão em visita à Embraer, no estado de São
Paulo. Irritado, o líder do PL, Magno Malta (ES), chegou a telefonar
para Crivella pedindo que voltasse para Brasília.
Se essa viagem foi providencial, não está correto.
No Rio, o prefeito Cesar Maia (PFL) já disse que faria um outdoor
com o voto de Crivella. Mas todos nós combinamos que assumiríamos
o desgaste reclamou Malta.
Além dele, João Alberto (PMDB-MA) conseguiu escapar do
cerco dos Sarney. Deixou o plenário para ser paraninfo numa formatura
no estado. Um carro foi mandado, em vão, ao aeroporto para interceptá-lo.
Outro ausente, Sérgio Guerra (PSDB-PE), estava na Comissão
do Orçamento no momento da votação. No primeiro turno,
ele apoiou a reforma da Previdência. Augusto Botelho (PDT-RR) também
estava na comissão e não pôde chegar a tempo para
votação. Com isso, também caiu em um o número
de votos de oposição à reforma. No dia 25 de novembro,
a reforma foi aprovada por 55 votos contra 25. Ontem, o placar foi de
51 votos contra 24.
Pelo texto aprovado, cai a paridade: o reajuste automático do
benefício do aposentado em caso de aumento para o servidor em atividade.
Este direito, porém, deverá ser restabelecido na chamada
PEC paralela, projeto de emenda constitucional que passou a tramitar paralelamente
à reforma para neutralizar a resistência ao texto principal.
Regras de transição mais flexíveis para quem já
está próximo da aposentadoria também deverão
ser aprovadas na PEC paralela.
Para chegar ao texto aprovado ontem, o governo do PT teve que contrariar
uma de suas mais tradicionais bases eleitorais, os servidores públicos.
O ano traumático para o partido, marcado por protestos e crises
na sustentação do governo, deverá ser encerrado com
a expulsão de quatro parlamentares petistas que votaram contra
a reforma da Previdência. Um deles, a senadora Heloísa Helena
(AL), não só repetiu seu voto na noite de ontem, como acusou
o governo de se ajoelhar diante do FMI, tirando direitos históricos
e engordando a pança dos banqueiros.
Apesar dos protestos, a sessão consumiu pouco mais de uma hora.
Não tenho alternativa. Mas vou continuar lutando e denunciando
discursou, rendido, o pefelista Agripino Maia (RN), até
porque quase metade de sua bancada votou com o governo, contra sua orientação.
Prazo de validade da reforma é de 11 anos
Apesar da dura batalha, a reforma tem vida curta. Segundo admitiu o próprio
relator, Tião Viana, a nova reforma da Previdência já
tem data marcada: daqui a 11 anos. Este é o prazo para que a emenda
tenha efeito positivo nas contas públicas. Por gráficos
do Ministério da Previdência, a curva de projeção
de déficit chega ao mesmo patamar de um cenário sem reforma
da Previdência dentro de 11 anos.
É quando os gráficos começam a se cruzar
que teremos nova reforma. Por isso, tenho um projeto: nos próximos
11 anos, ninguém fala em reforma da Previdência brincou
Viana.
As mudanças ao longo dos últimos
oito anos
A REFORMA DE FH: No seu primeiro mandato, o presidente Fernando
Henrique apresentou proposta de mudança na Previdência. A
emenda de 28 de março de 95 só foi promulgada quatro anos
depois, em dezembro de 98. As medidas provocaram forte reação
da oposição, liderada pelo PT. O que acabou sendo aprovado:
o fim da aposentadoria com base nos últimos 36 meses de salário
e a criação do chamado fator previdenciário no INSS,
que leva em conta a idade, o tempo de contribuição e o salário
médio do trabalhador. Servidores públicos mantiveram a aposentadoria
integral, mas com idade mínima de 53 anos (homens) ou 48 (mulheres).
A taxação dos servidores inativos, proposta numa segunda
etapa, foi aprovada no Congresso mas derrubada pelo STF.
O COMEÇO NO GOVERNO LULA: No dia 30 de abril deste ano,
o presidente Lula foi com governadores e ministros ao Congresso (foto)
para entregar as propostas de reformas da Previdência e tributária
aos presidentes da Câmara e do Senado. Crítico feroz da reforma
proposta por Fernando Henrique, tendo sido um dos principais responsáveis
pela derrubada da possibilidade de taxação dos servidores
inativos, o PT propôs mudanças profundas mas, diante da pressão
da própria base, recuou em alguns pontos. O primeiro placar foi
folgado: por 44 votos a 13, o governo aprovou a reforma da Previdência
na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ)
da Câmara em 6 de junho, mantendo o texto original. Os pontos principais
da reforma tinham sido preservados.
OS PROTESTOS: Cerca de 40% dos 800 mil servidores públicos
aderiram a uma greve contra a reforma da Previdência em julho, a
primeira no governo Lula. Na elite do funcionalismo, categorias que têm
as maiores vantagens e os mais altos salários, a adesão
foi quase total. Também na oposição às mudanças,
magistrados decidiram, em 21 de julho, parar de 5 a 12 de agosto contra
a reforma da Previdência. Um acordo, autorizado pelo governo, garantiu
a elevação do subteto do Judiciário nos estados e
a greve foi suspensa. Mas as manifestações continuaram.
A PM chegou a entrar no Congresso para conter os manifestantes no dia
23 de julho, quando a comissão especial aprovou o relatório
do deputado José Pimentel (PT-CE).
FIM DA BATALHA NA CÂMARA: A reforma foi aprovada em segundo
turno na Câmara no dia 27 de agosto, três semanas depois da
votação em primeiro turno. Com uma chuva de papel picado
(foto), os deputados comemoraram a aprovação. Desde o primeiro
momento, os votos da oposição, especialmente do PSDB e do
PFL, foram decisivos. Sozinha, a base do governo não teria garantida
a aprovação. A emenda seguiu para o Senado, onde a votação
foi concluída na Comissão de Constituição
e Justiça (CCJ) em 7 de outubro. No dia 27 de novembro o texto
foi aprovado em primeiro turno no plenário. Ontem, passou em segundo
turno. Agora, só depende da promulgação pelo Congresso,
o que deve ocorrer ainda este ano.
O povo brasileiro pode comemorar,
afirma o ministro da Previdência
BRASÍLIA. Os ministros do governo e os líderes governistas
no Congresso comemoraram a aprovação da reforma da Previdência
destacando sua importância para reduzir o risco Brasil e para o
esforço do governo Lula na retomada do crescimento da economia.
O povo brasileiro pode comemorar no primeiro ano do governo a
realização de uma reforma previdenciária que se pautou
pelo amplo debate democrático, pela construção de
um sistema previdenciário em bases realistas, tendo como objetivo
a inclusão de milhões de brasileiros que trabalham e não
têm previdência festejou o ministro da Previdência,
Ricardo Berzoini.
Ele agradeceu o empenho dos senadores na aprovação.
Parabenizo os senadores pela conclusão dos trabalhos na
reforma, que retoma uma concepção previdenciária
e social para a Previdência brasileira afirmou o ministro.
Foi um dia histórico. A reforma da Previdência foi
aprovada e o Senado conseguiu amenizar seu impacto sobre os servidores.
A aprovação da reforma indica que está garantida
a sustentabilidade fiscal e financeira dos estados e da União e
reduziu as diferenças entre as aposentadorias do sistema geral
e dos servidores públicos acrescentou o líder do
governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP).
Bezerra: reflexos positivos no crescimento da economia
O senador Fernando Bezerra (PTB-RN), da base do governo, considera que
ontem o país conquistou melhoras no risco Brasil e que a aprovação
da reforma terá reflexos positivos no crescimento da economia.
O líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), também comemorou
dizendo que o Senado amenizou as perdas dos servidores e garantiu ganhos
fiscais para a União e os estados. Para ele, isso contribuirá
para a estabilidade da economia e para tornar o sistema previdenciário
viável.
Para a oposição, que acabou colaborando decisivamente para
a aprovação da reforma, o governo pagará um preço
político por ter rompido com uma parte de sua base eleitoral: os
funcionários públicos. O líder do PFL, José
Agripino (RN), reconheceu que se criará uma expectativa positiva
no plano internacional. Mas ironizou:
Como toda receita do FMI, a aprovação da reforma
é boa para a economia, mas perversa para as pessoas.
Para o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), a população
não vai reconhecer o mérito de o governo Lula ter feito
a reforma da Previdência.
O governo perde os servidores e não ganha ninguém
com isso. As pessoas só vão sentir efeitos positivos se
a economia feita na Previdência significar dez milhões de
empregos disse o tucano.
Um dos responsáveis pela negociação da reforma
que representa um desafogo para os cofres de seu estado o governador
de Minas, Aécio Neves, elogiou a atuação de seu partido,
o PSDB:
Talvez não seja a reforma definitiva. Mas é um avanço
considerável. E o PSDB demonstrou maturidade e coerência
ao garantir os votos necessários à aprovação.
A aprovação da reforma mereceu elogios de antigos colaboradores
do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
A reforma aumenta a arrecadação num primeiro momento
e, a longo prazo, reduz gastos com aposentadoria do funcionalismo. Do
ponto de vista econômico é muito eficaz disse o ex-ministro
da Previdência José Cechin.
Por motivos distintos, a Central Única dos Trabalhadores (CUT)
e a Forca Sindical consideraram insuficiente a negociação
da reforma.
Essa reforma se limitou à cobrança dos inativos
e ao aumento da idade mínima do servidor público e do teto
de desconto no setor privado. Dentro de três ou quatro anos, será
necessária uma outra reforma disse o presidente da Força
Sindical, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho.
O secretário de Comunicação da CUT, Antonio Carlos
Spis, reafirmou que a central é contra a reforma sem a discussão
da regra de transição:
Não fomos ouvidos ao longo da negociação.
Taxação
de inativos só começa em três meses
Adriana Vasconcelos
BRASÍLIA. A vida de servidores públicos federais, estaduais
e municipais, e também de trabalhadores da iniciativa privada,
começa a mudar a partir da promulgação da reforma
da Previdência, aprovada ontem em segundo turno pelo Senado. A cobrança
de contribuição previdenciária dos servidores inativos,
medida mais polêmica da reforma, terá efeito 90 dias depois
da promulgação da reforma, que ocorrerá ainda este
ano.
A União decidiu-se pela alíquota de 11%, que deverá
ser cobrada também pelos estados e municípios, embora alguns
deles hoje cobrem uma alíquota menor. A redução em
30% do valor da pensão que ultrapassar R$ 2.400 entra em vigor
imediatamente.
A fixação do teto para os salários e as aposentadorias
impedirá que qualquer servidor da União receba mais do que
R$ 17.300, o que equivale hoje ao maior salário pago a um ministro
do Supremo Tribunal Federal (STF). A redução dos salários
mais altos será imediata.
Para os servidores públicos estaduais e municipais foram estabelecidos
três subtetos diferentes. Os salários dos governadores limitará
vencimentos e aposentadorias dos funcionários do Executivo. Os
dos deputados estaduais servirão de teto para os servidores do
Legislativo e o dos desembargadores que recebem hoje o equivalente
a 90,25% dos vencimentos pagos aos ministros do STF, ou seja, R$ 15.613,25
servirão de parâmetro para os dos funcionários
do Judiciário.
Senado aprova também
a reforma tributária
Lydia Medeirose Valderez Caetano
BRASÍLIA. O Senado aprovou a reforma tributária ontem à
noite em primeiro turno. Foram 63 votos a favor e quatro contra: Almeida
Lima (PDT-SE) e os pefelistas Jorge Bornhausen (SC), José Jorge
(PE) e Marco Maciel (PE). A proposta havia passado ontem mesmo pela Comissão
de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, garantindo
ao governo as receitas para o caixa de 2004, especialmente os recursos
da CPMF, estimados em R$ 20,3 bilhões. Fechar a conta, no entanto,
teve um custo alto para os cofres federais. Para conseguir um acordo com
os partidos o governo teve de empenhar a palavra e prometer cerca de R$
11,7 bilhões extras para os estados e municípios.
As concessões foram fruto de pressões da oposição
e do PMDB, que disputaram a paternidade das mudanças do texto da
reforma. O governo destinou R$ 6,5 bilhões para o fundo de compensação
das exportações, R$ 2,2 bilhões da Cide serão
repassados para os estados e outros R$ 2,2 bilhões irão
para o Fundo de Desenvolvimento Regional. Os municípios ganharam
mais R$ 1 bilhão em 2004, em repasses do Fundo de Participação,
cuja receita vem do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do
Imposto de Renda. O cálculo do acordo deixa fora o acerto feito
para 2005 e 2006, que aumenta o FPM em até R$ 1,5 bilhão
ao ano.
Verba de área social em debate
A mais importante das mudanças no texto aprovadas ontem na CCJ
foi a introdução da Desvinculação das Receitas
dos Estados (DRE), mecanismo igual ao que existe para a União,
que dá liberdade de gasto ao desvincular 20% das receitas com destino
predefinido, como saúde e educação. A emenda do senador
Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) foi aceita pelo relator, Romero
Jucá (PMDB-RR), mas não resistiu ao plenário. O dispositivo
foi derrubado do textono início da madrugada de hoje. Os defensores
da medida não conseguiram os 49 votos necessários. O placar
foi de 35 a 28. Não houve acerto entre os partidos, que dividiram
até o PT. Senadores alegaram que a medida tiraria recursos da Saúde.
Líder do PT, o médico Tião Viana mesmo contra suas
convicções, votou com ACM, para honrar o acordo. Mercadante
também votou a favor.
O entendimento no Senado deixou de fora ou adiou propostas previstas
no texto que saiu da Câmara. A redução das alíquotas
do ICMS para os produtos da cesta básica está prevista só
para 2005, quando haveria a unificação da legislação
do imposto. O PMDB não conseguiu antecipar a medida, por resistência
de senadores do Centro-Oeste, região produtora de alimentos, que
perderia receitas.
A CCJ aprovou ainda emenda do senador José Jorge (PFL-PE) que
acaba com a previsão de progressividade na alíquota do Imposto
sobre Transmissão de Bens Inter-Vivos (ITBI). Fica valendo a alíquota
atual, de 2%. Outra mudança feita por acordo e aprovada na CCJ
prevê que as TVs por assinatura deixem de pagar ICMS, pagando o
ISS. Essas medidas, após aprovadas no plenário, terão
de voltar para a Câmara, com demais artigos modificados, que não
poderão ser promulgados neste ano.
Entre os pontos que a Câmara vai analisar está a guerra
fiscal. Os incentivos, segundo o texto do Senado, só acabam com
a promulgação integral da reforma. Os atuais projetos baseados
nessa política serão disciplinados por lei complementar
e sua vigência será limitada a 11 anos, contados a partir
da promulgação da emenda.

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