Sábado, 13 de dezembro de 2003

O Globo

REFORMAS: GOVERNO ESTUDA MEDIDA PROVISÓRIA PARA EVITAR VÁCUO ENTRE A PROMULGAÇÃO E A APROVAÇÃO DA LEI


Novo cálculo para aposentadoria sairá por MP

Média de 80% das maiores contribuições será o benefício de quem não quiser cumprir regras da integralidade

BRASÍLIA. O governo federal prepara a edição de uma medida provisória, já na semana que vem, para a fixação do novo critério de cálculo das aposentadorias no serviço público. Pela proposta do governo, os funcionários públicos que não quiserem cumprir as exigências para obter aposentadoria integral terão como benefício a média de 80% de suas maiores contribuições desde julho de 1994. E é esta regra que o governo pretende adotar por MP para evitar que exista uma lacuna entre a promulgação da reforma da Previdência, prevista para o próximo dia 19, e aprovação de uma lei estabelecendo a nova fórmula de cálculo.

Segundo o ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, o texto deverá ser apresentado no dia seguinte à promulgação da reforma.

— Estamos analisando primeiro se é possível fazer por medida provisória para agilizar. Como a promulgação é na semana que vem, espero que os técnicos da Previdência Social e nossos consultores jurídicos já tenham o texto pronto para, no dia seguinte, apresentar um projeto ao Congresso Nacional ou para, caso haja essa decisão, editar mesmo uma MP — adiantou Berzoini.

Ainda segundo o novo critério de cálculo, será aplicado um redutor sobre esse benefício: de 3,5% até 2005 e de 5% de 2006 em diante, por cada ano de trabalho antecipado. Hoje, para garantir a aposentadoria igual ao salário da ativa, o funcionário tem que cumprir 20 anos de carreira e cinco anos no mesmo cargo, além do aumento da idade mínima exigida para se aposentar (de 55 anos para as mulheres, e 60 para homens).

Na prática, esse modelo valerá até a aprovação de uma nova emenda, estabelecendo regras mais leves para os atuais servidores, a chamada PEC paralela.

Berzoini admite aprovação somente após recesso

O próprio ministro, que acompanha as negociações no Congresso, admite a hipótese de o texto só estar aprovado após o recesso:

— Como é um tema complexo, e assim como o Senado manifestou o desejo de não votar o que veio da Câmara estritamente como veio, na Câmara também pode acontecer isso: “Tá bom. Vamos discutir, mas não a toque de caixa”. Não dá para tratar essa questão simplesmente porque houve acordo no Senado — reconheceu Berzoini.

Ressaltando que 2004 é um ano eleitoral, o ministro desaconselhou aqueles que pretendem ampliar as concessões previstas para a PEC paralela.

— Se formos reabrir a discussão, com certeza dificultaremos a tramitação da PEC paralela na Câmara. Esse é um alerta que precisa ser feito. Uma coisa é honrar o que foi aprovado no Senado. O risco que se corre é termos uma tramitação mais demorada e difícil, lembrando que ano que vem a Câmara funciona plenamente só no primeiro semestre — avisou Berzoini.

Ainda segundo o ministro, o desenho dos fundos de pensão será, por 60 dias, objeto de discussão do ministério. A Secretaria de Previdência Complementar será encarregada de discutir, com as entidades que representam os servidores, o modelo dos fundos. Em 60 dias, será enviado um projeto ao Congresso.

— Acredito que haja contradições entre os próprios servidores: os que consideram seguro ter um só fundão e os que defendem os fundos por segmentos — previu o ministro.

Inteligência e informática para combater o déficit

Berzoini disse que se concentrará no combate à sonegação e à fraude no INSS para tentar conter o crescimento do déficit na iniciativa privada. Ele aposta em medidas como adoção de um serviço de inteligência e informatização — compra de notebooks para os mais de quatro mil fiscais do INSS — e no crescimento econômico para impedir a explosão de déficit. Idade mínima para aposentadorias no setor privado nem pensar:

— O mercado de trabalho privado hoje é muito hostil às pessoas que passam dos 50, infelizmente. Vai ter um período em que você não está nem aposentado nem empregado, embora tenha contribuído por 35 anos. No nosso governo, a hipótese está descartada.

RICARDO BERZOINI


‘Reforma boa é a que pode ser aprovada’

Preparando-se para as novas batalhas que enfrentará para a regulamentação do novo modelo previdenciário, o ministro Ricardo Berzoini responde aos que consideram tímidas as mudanças no sistema e diz que a aprovação da reforma mostrou que é possível “derrubar alguns marcos que eram tabu”.

O senhor acha que o resultado final da reforma ficou melhor do que o planejado?

RICARDO BERZOINI: Embora tenha um efeito orçamentário menor, o texto mostra ao servidor que a reforma não altera sua relação profissional com o serviço público. Qual é a razão de existir o serviço público? É prestar serviços adequados e competentes ao público. E o que é melhor, trabalhar com a lógica de quem quer se aposentar logo para se livrar do trabalho, ou com a perspectiva de permanência maior com satisfação profissional?

Por causa da aposentadoria integral, há os que consideram a reforma insuficiente.

BERZOINI: Reforma boa é a que tem condições de ser aprovada. Poderíamos tê-la feito mais dura, para eliminar qualquer tipo de subsídio, mas teria grande dificuldade de ser aprovada. A aprovação em um ano de uma reforma com essa qualidade técnica sinaliza que é possível derrubar alguns marcos que eram tabu no sistema previdenciário. Discutir se é insuficiente ou ideal é pouco relevante agora. O momento é de implementá-la, obter resultados e aperfeiçoá-la no que for possível.

Dizem que sua durabilidade é de 11 anos.

BERZOINI: Engraçada essa precisão. Ninguém sabe como vai evoluir a longevidade nos próximos anos, nem a economia.

No cenário de hoje, seria necessária uma outra reforma no setor público?

BERZOINI:Há um lado da reforma pouco compreendido. Cada novo servidor terá expectativa, ao entrar, de um sistema que não tem aposentadoria integral, com teto e média de contribuição. Isso é uma revolução em matéria de previdência. No futuro não haverá o passivo imenso que se construiu após 1988, em que o cidadão, depois de 25 anos contribuindo sobre o salário-mínimo, passava num concurso público e em apenas três anos se aposentava. Temos na Casa exemplo de auditores fiscais que passaram no concurso e, quatro anos depois, estavam aposentados.Com benefício integral!

O sistema de média é um avanço maior do que a contribuição dos inativos?

BERZOINI: A contribuição dos inativos tem uma importância grande em relação aos atuais aposentados. O sistema de média é o ideal previdenciário. A pessoa tem um benefício correspondente à sua contribuição.

Qual é o seu projeto político agora?

BERZOINI: Meu futuro político pertence ao presidente Lula. Aqui há muito a fazer. Estou extremamente satisfeito com o que fizemos, mas sei que ministro deve estar sempre preparado para ficar até o fim do governo ou sair no dia seguinte.


REFORMAS: SENADORES DERRUBARAM PELO MENOS OITO IMPOSTOS QUE TINHAM SIDO PROPOSTOS NO TEXTO DA CÂMARA

Alíquota da CPMF poderá cair antes de 2007

Emenda que será apresentada no Senado propõe que, após ser reduzida, contribuição não possa mais aumentar

BRASÍLIA. Se as condições econômicas do país forem favoráveis, a alíquota da CPMF poderá baixar antes de 2007, caindo dos atuais 0,38% para até 0,08%. O imposto foi prorrogado anteontem até 2007 com alíquota de 0,38%, mas na segunda-feira o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) apresentará à Mesa do Senado emenda que fixará as linhas gerais para a redução da CPMF.

A redução da alíquota dependerá dos critérios macroeconômicos que serão determinados por lei complementar, mas, uma vez reduzido o imposto, ele não poderá ser reajustado novamente. Segundo a emenda, entretanto, a queda da CPMF poderá ser compensada por outros impostos.

— A proposta vai deixar claro que, no momento, não haverá aumento de impostos e, no futuro, a carga vai cair— disse o líder do governo, Aloizio Mercadante (PT-SP).

Proposta de DRE causou polêmica

A votação da reforma tributária teve apenas um momento de tensão, quando eram analisadas as emendas apresentadas no plenário. Apesar de contar com o aval da equipe econômica e do Palácio do Planalto, a proposta de criação da DRE (Desvinculação das Receitas dos Estados), de autoria do senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), foi derrubada na votação dos destaques na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) após ter sido aprovada no plenário em primeiro turno. A senadora Ideli Salvatti (PT-SC) articulou a derrubada. Mas um inflamado discurso do tucano Eduardo Azeredo (MG) foi fundamental para enterrar a DRE.

No Senado, foram derrubados pelo menos oito impostos aprovados pela Câmara. Os senadores acabaram, por exemplo, com a possibilidade de pôr na Constituição a cobrança pelos municípios de taxa de limpeza urbana que incluía a cobrança pelo uso de parques e logradouros. Caiu também a taxa de iluminação pública vinculada ao consumo de energia de cada residência. Os municípios vão continuar cobrando a taxa, mas o percentual permanecerá fixo. Foi descartada ainda a criação de um selo-pedágio.

O imposto sobre herança também ficará com alíquota de 4%. Pela proposta aprovada na Câmara, que foi a mesma enviada pelo ministro da Fazenda, Antônio Palocci, ele seria progressivo de acordo com o patrimônio do doador.

Ontem foi um dia de comemorações entre os senadores da base. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ligou para Mercadante para agradecer a aprovação das duas reformas.

No Senado, Palocci fez questão de cumprimentar Mercadante e o relator da reforma, Romero Jucá (PMDB-RR). Pelo telefone, agradeceu o empenho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), que estava ontem na Argentina. Segundo o ministro, a aprovação das reformas tributária e da Previdência garantem as condições necessárias para que 2004 seja um ano de crescimento econômico.

Ao elogiar o acordo fechado entre a base e a oposição em torno do texto da reforma tributária, Palocci reforçou o apoio do governo à unificação da legislação do ICMS e mesmo à redução da carga tributária.

— A longo prazo, o Brasil deve buscar uma redução da carga tributária, mas isso precisa ser feito com responsabilidade. Ou seja, olhando os compromissos de equilíbrio econômico do Brasil.

COLABOROU Bernardo de la Pena