Segunda-feira, 15 de dezembro de 2003

O Globo

O DIA D DOS RADICAIS


Governo 55 x 27 Esquerda do PT

Em reunião tensa e histórica, diretório nacional do partido expulsa quatro dissidentes

Numa reunião tão tensa quanto histórica, o diretório nacional do PT expulsou ontem, por 55 votos a 27, a senadora Heloísa Helena (AL) e os deputados João Batista Babá (PA) e Luciana Genro (RS), por terem votado contra os projetos de reformas que o governo enviou ao Congresso. Em meio à troca de duras acusações e de um confronto sobre a condução da política econômica do governo, o deputado João Fontes (SE) também foi expulso, em rito sumário, por ter distribuído uma antiga fita em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva atacava, por exemplo, o hoje aliado José Sarney (PMDB-AP).

Os aliados de Luciana e Babá anunciaram ontem mesmo a decisão de deixar o partido. Já a Democracia Socialista (DS), corrente integrada por Heloísa Helena, vai recorrer ao Encontro Nacional do partido, marcado só para 2005. Hoje, a DS inicia um movimento pela antecipação do encontro. Mas, além de não ser um instrumento capaz de suspender a decisão, o próprio tom dos discursos mostrou o quanto o recurso é inócuo. O clima da reunião foi de animosidade.

Enquanto a rebelde Luciana acusava o governo de seguir a cartilha de George W. Bush e o senador Eduardo Suplicy (SP), num discurso que pontuou com socos na mesa, comparava os procedimentos na reunião aos tempos do AI-5, o contra-ataque era duro:

— Queria ter aqui a imagem de Heloísa Helena carregando o regimento para ajudar o PFL. Não essa imagem que ela está querendo passar agora — atirou a senadora Ideli Salvati (SC), depois de Heloísa chorar em seu discurso.

Ideli ainda acusou Heloísa de, em 23 votações, só ter estado duas vezes a favor do governo.

O líder do PT no Senado, Tião Viana (AC), defendeu a expulsão dos três, lamentando que Heloísa tenha chamado seus pares de “gigolôs do FMI”. Lembrando-se da resistência da senadora à aliança com o PL, o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, arrematou:

— Se dependesse de Heloísa Helena, Lula nem seria presidente. Não é à toa que Lula perdeu, nos dois turnos, em Alagoas.

Ainda que sob julgamento, os rebeldes não foram passivos. À exceção de Fontes — que chegou a falar que não tinha a intenção de agredir Lula — e de Heloísa, que consumiu boa parte dos cinco minutos de sua defesa com lágrimas, Luciana e Babá sustentaram suas críticas ao governo. Bateram até no programa Bolsa Família.

— O PT está sendo enterrado hoje. Que tempos são esses em que o partido toma laranjada com Brownie? — perguntou Luciana, referindo-se ao cardápio do lanche servido na reunião do diretório.

— Mas esse é o programa do PSTU. Não do PT — reagiu o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), que, aplaudido de pé, encerrou as discussões antes da votação.

Mercadante falou em resposta a Suplicy, que, em 12 minutos de exposição, propôs a suspensão dos rebeldes por apenas seis meses. Depois de garantir direito a voto com o crachá cedido por Zezéu Ribeiro (BA), Suplicy não poupou Ideli.

— Não vou pedir aqui a expulsão de Ideli — ironizou ele, lembrando que a senadora se recusou a votar a favor da Desvinculação dos Recursos dos Estados (DRE), apesar de um acordo entre governo e oposição.

A participação de Suplicy permitiu que Mercadante tivesse vez.

— Respeitem nosso sonho. Vocês têm todo o direito de sonhar. Mas não têm direito de destruir um sonho construído em 23 anos, nem a esperança de milhões de brasileiros em Lula — discursou Mercadante.

Foi também Suplicy que estimulou a única intervenção do chefe da Casa Civil, José Dirceu, no encontro. Suplicy citou o nome de Dirceu ao dizer que sua proposta era para o bem dele.

— Me tira dessa, Eduardo — reagiu Dirceu antes mesmo que o senador encerrasse a frase.

Mesmo entre lágrimas, vertidas ao se lembrar da antiga bancada petista, Heloísa manteve o grau de críticas ao governo.

— Não vou pedir perdão, desculpas e nem clemência. Quem está me expulsando não é o PT socialista e democrático que eu ajudei a construir, mas sim o PT reacionário e que faz uma coexistência pacífica com o capital financeiro, o FMI e a podre oligarquia brasileira — atacou ela.

E acrescentou:

— Estou tranqüila e de cabeça erguida.

Foi por isso que ao propor sua saída o ministro Cristovam Buarque (Educação) foi pragmático:

— Quando a intolerância chega a esse nível, está na hora do divórcio.

Prometendo deixar profundas seqüelas, a reunião mostrou que o debate não se limitava à expulsão do trio. O próprio placar, com um terço do diretório contrário à saída dos petistas julgados, mostra o confronto interno. Alguns discursos chegaram até a alimentar esse mal-estar, como o de Professor Luizinho (PT-SP).

— O PT vive um momento feliz. Este é um dia bom para o PT — disse ele, provocando reação até entre os governistas.

— Discordo que este seja um dia feliz. É um momento duro — reagiu o assessor especial da Presidência Marco Aurélio Garcia, em sua intervenção.

Genoino defendeu a unidade do partido a partir de agora.

— A base está mobilizada e não vai sofrer prejuízo. Pelo contrário, o que traria prejuízo era se o partido continuasse sangrando. Nós adiamos, adiamos, sempre esperando uma pactuação que não veio — disse.

O esquerdista Ivan Valente não está tão confiante:

— Se o partido insistir nesse projeto, certamente vai ter outras perdas, e não só por expulsão — disse ele.

A luta continua.

COLABOROU Gerson Camarotti


POUCOS, MAS MUITO BARULHENTOS

Protestos contra a expulsão mudaram a rotina de sol e piscina de um dos hotéis mais caros de Brasília

BRASÍLIA. A rotina de sol e piscina de um dos hotéis mais caros de Brasília foi abalada ontem pelo ritual de expulsão dos quatro parlamentares petistas. Manifestantes, eram poucos. Não mais de 50 pessoas esperavam a senadora Heloísa Helena (AL) e os deputados federais João Batista Babá (PA), Luciana Genro (RS) e João Fontes (SE) em frente ao hotel. O barulho e a confusão, no entanto, foram suficientes para atrair a atenção dos hóspedes num dia em que os defensores dos radicais xingaram e até agrediram os integrantes da ala governista do PT que aprovou a expulsão.

Heloísa foi a última a chegar, em torno de 11h. Foi carregada nos ombros por manifestantes, a maioria vinda do Rio Grande do Sul, e falou por cerca de dez minutos num carro de som, apenas para reafirmar que não iria ceder ao pacto proposto pela direção do PT.

— Eles falaram que eu precisava fazer um gesto. Acho isso uma crueldade. É como se todo esse tempo que eu passei militando no partido não valesse nada. Não vou capitular. Não estou a serviço dos palácios, estou a serviço da plebe. Não estou a serviço da casa grande, mas da senzala — disse.

A senadora ainda foi carregada parte do caminho entre o portão e o hotel, mas teve que descer dos ombros dos companheiros ao ser atingida no nariz pela cancela do portão, que caiu exatamente no momento em que passava. Heloísa caminhou acompanhada dos manifestantes, que cantavam palavras de ordem — entre elas, uma adaptação do famoso “Olê, Olê, Olá”, cantado para Lula —, e de um boneco gigante que a representava.

Os manifestantes foram proibidos de entrar no saguão do hotel e ficaram por algum tempo gritando palavras de ordem do lado de fora. Uma delas, “Stalin não morreu, reencarnou em José Dirceu (o chefe da Casa Civil)” já era conhecida desde a votação da reforma da Previdência na Câmara. Outra, contra o presidente do partido, José Genoino, foi inaugurada ontem: “Genoino é bom companheiro, ninguém pode negar, ou ele manda expulsar”.

Impedidos de participar do encontro que julgaria os quatro rebeldes, os manifestantes acabaram desistindo e só retornaram ao hotel para apoiar a saída dos expulsos. Os membros do diretório que saíam eram recebidos com vaias e gritos de “traidores, inquisidores”. O deputado Professor Luizinho, um dos governistas mais dedicados, foi cercado por manifestantes que jogaram um cone de trânsito em sua direção.

Já consumada a expulsão, os militantes berravam: “Coerência não faz mal, a onda agora é todo mundo radical”.

Sem demonstrar abatimento, os parlamentares deram entrevistas e posaram para fotos. Tiago, de 3 anos, filho de Babá, vestia uma camisa vermelha bordada: “O papai é radical”. Perguntado se também era radical, Tiago respondeu:

— Não, só o papai.

O tumulto deixou nervosa a segurança do hotel e terminou por criar constrangimentos até para hóspedes. Uma senhora, acompanhada da filha, foi impedida de entrar no saguão e segurada pelo braço por um dos seguranças. Era a segunda vez que era impedida de circular pelo hotel. Por alguns momentos, membros do partido chegaram a ser impedidos de sair ou entrar. (L.P. e I.B.)