Terça-feira, 16 de dezembro de 2003

O Globo

Reforma por unanimidade

Adriana Vasconcelos
BRASÍLIA

A toque de caixa, o Senado está aprovando toda a pauta pendente para encerrar os trabalhos deste semestre no próximo sábado. Exatamente cinco dias depois da conclusão da votação da reforma da Previdência, o Senado aprovou ontem em primeiro turno a proposta de emenda constitucional 77, a PEC paralela, que flexibiliza a implantação das novas regras de aposentadoria estabelecidas para o sistema previdenciário do servidor público, que deverão ser promulgadas na próxima sexta-feira. Num acordo com o presidente da Câmara, João Paulo Cunha, o presidente do Senado, José Sarney, anunciou que a votação da reforma tributária será concluída até amanhã, para que seja promulgada no dia 19, juntamente com a reforma da Previdência.

A PEC paralela foi aprovada por unanimidade pelos 69 senadores em plenário. Os líderes partidários aproveitaram o clima de entendimento para fechar um acordo que permitirá votar amanhã o segundo turno não só da PEC paralela como também da reforma tributária.

— Votei a favor do HDL, o colesterol bom — disse o líder do PFL, senador Agripino Maia (RN), que até a aprovação da reforma da Previdência fazia campanha contra a PEC paralela.

Mais cedo, um encontro entre João Paulo e Sarney já havia selado um outro acordo que garantirá a promulgação das reformas na sexta-feira. Ficou acertada também a prorrogação até o sábado dos trabalhos do Congresso, que deveriam ser encerrados ontem. De acordo com os presidentes, os dias de trabalho extra, nesta semana de autoconvocação, não serão remunerados.

Tanto Sarney quanto João Paulo descartaram a idéia de convocar extraordinariamente o Congresso em janeiro para que a Câmara possa votar a PEC paralela.

Reivindicações de servidores incluídas

Depois de uma dura negociação com o governo, os senadores conseguiram incluir na PEC paralela várias reivindicações dos servidores públicos. A proposta amplia, por exemplo, a faixa de isenção para a cobrança da contribuição previdenciária de inativos e pensionistas portadores de doenças incapacitantes para o trabalho.

Pelo texto aprovado ontem, a paridade entre os reajustes concedidos ao servidores da ativa e inativos, garantida pela reforma da Previdência apenas aos funcionários que já estão aposentados, será estendida a todos os que já ingressaram na carreira pública. Desde que cumpridos os seguintes requisitos: 25 anos de serviço público, 15 anos de carreira e cinco anos no mesmo cargo. Os que ingressarem no serviço público após a reforma não terão paridade.

Outra conquista dos servidores que estão próximo da aposentadoria foi criação de regras de transição que beneficiarão sobretudo aqueles que começaram a trabalhar muito cedo. Além disso, a proposta cria um sistema especial de inclusão previdenciária para os trabalhadores sem vínculo empregatício, inclusive as donas de casa. O novo sistema, porém, prevê alíquotas e carências inferiores às vigentes para os demais segurados do Regime Geral da Previdência Social.

Para garantir a conclusão das votações da PEC paralela e da reforma tributária até amanhã à tarde, os senadores deverão fazer de manhã uma sessão extraordinária. Até o fim da semana devem ser concluídas também as votações do Orçamento da União para 2004 e do Plano Plurianual. Ontem, a Comissão Mista de Orçamento teve que adiar mais uma vez, por falta de quórum, a reunião ordinária marcada para discutir os cinco relatórios setoriais que ainda faltam para que seja possível iniciar as discussões do relatório final.

O que muda com a PEC paralela

A PEC paralela aprovada ontem em primeiro turno no Senado modifica alguns pontos da reforma da Previdência que será promulgada na sexta-feira. Depois da votação em segundo turno, a PEC paralela ainda vai tramitar na Câmara. Veja as principais mudanças incluídas no texto da PEC paralela:

REGRAS DE TRANSIÇÃO: Para não prejudicar os servidores que estão próximo da aposentadoria e que começaram a trabalhar cedo, o governo aceitou flexibilizar algumas regras exigidas pela reforma da Previdência para o pagamento da aposentadoria integral. Para cada ano de trabalho a mais, o servidor poderá abater um ano da idade mínima exigida para aposentadoria — 60 anos para homens e 55 para mulheres. Mas desde que ele cumpra os seguintes requisitos: 35 anos de contribuição no caso dos homens ou 30 anos se mulher, 25 anos de serviço público, 15 anos de carreira e cinco anos no último cargo. Um exemplo: uma mulher que cumprir esses requisitos e tiver 31 anos de serviço poderá se aposentar com 54 anos de idade, baixando em um ano a idade mínima para sua aposentadoria.

CONTRIBUIÇÃO DE INATIVOS: Os estados, os municípios e o Distrito Federal poderão fixar alíquotas de contribuição previdenciária dos servidores inativos abaixo do patamar de 11% estabelecido para os servidores públicos federais.

ISENÇÃO: Amplia-se a faixa de isenção para a cobrança da contribuição previdenciária de inativos e pensionistas portadores de doenças incapacitantes para o trabalho. As doenças serão definidas por lei específica. Ficam garantidas a isenção da contribuição previdenciária e o redutor zero para aposentadorias ou pensões até o dobro do limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral da Previdência Social, ou seja, R$ 4.800. A reforma da Previdência prevê isenção para todos os aposentados que ganhem abaixo de R$ 1.440, no caso dos servidores federais, e de R$ 1.200, para os estaduais.

PARIDADE: Será estendida para as futuras aposentadorias dos servidores que já ingressaram na carreira pública a paridade, ou seja, a concessão do mesmo índice de reajuste aplicado aos salários dos funcionários da ativa. Desde que sejam cumpridos os seguintes requisitos: 25 anos de serviço público, 15 anos de carreira e cinco anos no mesmo cargo. Os que ingressarem no serviço público após a reforma não terão direito à paridade.

TETO: Altera-se o artigo da reforma que estabelece que o teto salarial do serviço público federal, de R$ 17.300, equivalente ao maior salário de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), incluiria ganhos indiretos como verbas para passagens. Com a nova PEC, abre-se uma brecha para que as verbas de gabinete recebidas pelos parlamentares, por exemplo, não sejam incluídas no cálculo do teto.

SUBTETO: Permitirá aos estados que quiserem adotar um subteto único, tendo como limite os vencimentos dos desembargadores, que equivalem a 90,25% dos salários dos ministros do STF. Os governadores terão 90 dias para fazer sua opção.

POLICIAIS: Delega-se aos estados a possibilidade de estabelecer regime especial de aposentadoria para os policiais.

INCLUSÃO: Cria um sistema especial de inclusão previdenciária, com alíquotas e carências inferiores às vigentes para os demais segurados do Regime Geral da Previdência Social, para os trabalhadores sem vínculo empregatício e mesmo para as donas de casa.

CONTROLE SOCIAL: Fica garantida a participação paritária de representantes dos três Poderes e do Ministério Público na gestão dos regimes de previdência dos servidores, ampliando sua fiscalização.

Lula vai à promulgação

Bernardo de la Peñae Lydia Medeiros

BRASÍLIA. Como fez ao apresentar as propostas ao Congresso, levando os textos das reformas da Previdência e tributária juntamente com os governadores no dia 30 de abril, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem que pretende voltar ao Congresso Nacional para participar da promulgação das reformas na próxima sexta-feira, dia 19. Em discurso no almoço de confraternização de generais, no Clube do Exército, Lula comemorou a aprovação das duas reformas em prazo recorde. Disse que em menos de um ano conseguiu o que “alguns tentaram fazer em 15 anos”.

— Avançamos numa coisa que parecia impossível: avançamos no tratamento de reformas estruturais que vinham sendo há muito tempo adiadas, mas que, na verdade, eram simplesmente inadiáveis. Conseguimos fazer, com o apoio do Congresso Nacional e da sociedade, em apenas 11 meses. Se lembrarmos que eu dei entrada no dia 30 de abril, significa que nós, em sete meses, fizemos a reforma que alguns tentaram fazer em 15 anos e não conseguiram fazer. Firmamos, com isso, as bases sobre as quais vamos construir o crescimento econômico, essencial para o bem-estar da sociedade. E já estamos sentindo, com toda a nitidez, os primeiros sinais de crescimento — discursou ele.

Sarney: “Não acredito que seja necessária tamanha solenidade”

O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), disse que não pretende realizar uma solenidade festiva para a promulgação das reformas. Sarney se reuniu ontem com o presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), para acertar o calendário das últimas votações do Congresso este ano.

— Não acredito que seja necessária tamanha solenidade, já que estamos chegando ao fim de uma sessão legislativa muito trabalhosa e acredito que isso possa ser feito da forma legal, mas sem grande mobilização — disse Sarney.