Domingo, 21 de dezembro de 2003

O Globo

REFORMAS


De volta à ativa

Governo estuda permissão para retorno de servidores que se arrependeram da aposentadoria

Para evitar que a corrida às aposentadorias desfalque setores importantes da máquina administrativa, como a Receita Federal, o governo pode recorrer a um instrumento legal que permite o “arrependimento” dos servidores. A reversão de aposentadorias, prevista em lei, autoriza a reincorporação de quem se aposentou nos últimos cinco anos. O ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, é cauteloso ao tratar do assunto, mas reconhece que o governo estuda a conveniência da medida. A decisão só será tomada no ano que vem, depois que for avaliado o impacto das baixas em cada setor. Até o fim de novembro, 15.856 servidores públicos federais pediram aposentadoria. É mais que o dobro do número do ano passado.

Caso o governo se decida pela medida, um decreto fixaria prazo permitindo a volta à ativa.

— Não descarto a possibilidade de haver reversão de aposentadorias se houver interesse de um grupo significativo de servidores — diz Berzoini.

A decisão dependeria ainda da conveniência do governo, restringindo-se a reversão aos setores com maior carência de funcionários. Ainda assim, haveria a opção de concurso público. Dependendo do perfil de cada setor, o governo opta entre a experiência e a renovação.

Para os cofres públicos, a desvantagem do concurso é que a União pagará por dois: pelo aposentado e pelo recém-contratado. Com a reinserção, é um pagamento só. Para o funcionário público, o proveito está na isenção da contribuição previdenciária de 11% — o bônus para quem continua na ativa mesmo podendo parar está incluído na reforma. Além disso, o funcionário volta com o mesmo status da ativa, podendo incorporar promoções e contagem de mais tempo para uma futura aposentadoria.

— Se for necessário, na minha área, por exemplo, podemos fazer no ano que vem, eventualmente. Preciso de auditores fiscais, de peritos médicos — exemplifica Berzoini, frisando que não houve saída em massa de servidores.

Insegurança precipita pedidos

Os exemplos de servidores que apressaram a aposentadoria temendo as novas regras estão em toda parte, até entre os trabalhadores da seguridade social. A médica pernambucana Viviane Duque Porto, de 59 anos, 21 deles como auditora, se aposentou em julho. Ela temia que, para o cálculo do benefício, o governo levasse em conta as contribuições de valor mais baixo feitas ainda na iniciativa privada, em 1968. Com a decisão, ela terá de pagar contribuição dos inativos, fora a perda de gratificações. Após 35 anos de trabalho, ganhará R$ 3 mil.

— Estou em plena fase produtiva. Mas fiquei com medo. Não dá para acreditar mais em governo — diz.

Segundo cálculos do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco), entre julho e dezembro deste ano 26 auditores se aposentaram só em Minas. Há um concurso para novas contratações marcado para o próximo ano, mas com oferta de uma vaga. Dados do sindicato mostram os efeitos da reforma. Em 2002, foram 176 aposentadorias. Até 13 de novembro já haviam sido homologados 383 pedidos. O Brasil tem hoje 7. 852 auditores fiscais, dos quais 10% em condições de aposentadoria, segundo o Unafisco.

Na Justiça, o panorama é semelhante. O juiz do 2º Tribunal de Alçada de São Paulo, Aclibes Burgarelli, deixou para trás a promoção:

— É claro que gostaria de continuar até a aposentadoria compulsória, mas diante da insegurança, resolvi não arriscar — disse.

No Tribunal de Justiça de São Paulo, as aposentadorias este ano chegaram a 40, contra 21 do ano passado. Em 1998, ano da promulgação da reforma do governo Fernando Henrique, foram 63 baixas.

REFORMAS: REGRAS PARA A APOSENTADORIA INTEGRAL PODEM SER MAIS FLEXÍVEIS

Berzoini: governo pode desistir da PEC paralela se Câmara alterar texto

‘Queremos cumprir o acordo exatamente como foi feito’, afirma ministro

BRASÍLIA. Produto de acordo no Senado para atenuar as exigências para os atuais servidores, a chamada Proposta de Emenda Constitucional (PEC) Paralela corre sério risco de não sair do papel caso seu texto não seja preservado na Câmara. O governo poderá não se empenhar por sua aprovação caso seja alterada pelos deputados. A ameaça é do ministro da Previdência, Ricardo Berzoini.

— O risco é o acordo ficar prejudicado. Queremos cumprir o acordo exatamente como foi feito. Não temos nenhum interesse de alterar. A tática não precisa ser antecipada. Mas, se alterar, o governo não vai realizar o esforço necessário para aprovar — diz Berzoini, lembrando que, por ser eleitoral, o próximo ano será curto na Câmara.

O governo aceitou flexibilizar algumas regras para o pagamento da aposentadoria integral. Para cada ano de trabalho a mais, o servidor poderá se aposentar um ano antes da idade mínima exigida — 60 anos para homens e 55 para mulheres. Mas desde que cumpra requisitos: 35 anos de contribuição no caso dos homens ou 30 anos se mulher, 25 anos de serviço público, 15 anos de carreira e cinco anos no cargo em que se aposentar.

Como a proposta só entra em vigor depois de aprovada na Câmara, Berzoini recomenda cautela aos servidores, lembrando que o modelo estimula quem fica no cargo:

— Para quem tem direito adquirido, não há perda. Não pode piorar, só melhorar.

Até lá, aconselha:

— Muita cautela com orientações que não estejam embasadas na análise profunda do texto. A reforma foi feita de modo a não incentivar aposentadorias precoces. As pessoas não podem dar ouvido a eventuais advogados. Têm que ouvir diferentes opiniões antes de tomar qualquer decisão — afirma o ministro.