quarta-feira, 08 de julho de 2003

TRIBUNA DA IMPRENSA

Servidores param contra proposta do governo para a Previdência

      BRASÍLIA - Começa hoje a primeira greve dos servidores federais no governo Luiz Inácio Lula da Silva, contra a reforma da Previdência, mas o Palácio do Planalto está apostando no fracasso da paralisação e não dá o menor sinal de que poderá ceder.

      Ontem, o ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, recebeu os líderes do funcionalismo, numa última tentativa de mostrar que está aberto ao diálogo, mas ele próprio admitiu, no encontro, que era muito difícil avançar nas negociações, pois os sindicalistas se opõem à base da reforma, que é a criação de um regime de previdência complementar para os servidores, com estímulo aos fundos de pensão.

      "Não concordamos com o diagnóstico que o governo fez para justificar a reforma e, portanto, não podemos concordar com o remédio proposto", afirmou o coordenador do Sindicato dos Servidores das Escolas Técnicas (Sinasefe), Manuel Porto Júnior. Segundo ele, esse antagonismo é um dos motivos pelos quais os servidores se negam a negociar emendas no Congresso.

      Esse também é um ponto de divergência com a direção da Central Única dos Trabalhadores (CUT), que adotou a a tática de apresentar emendas para modificar pontos do projeto. A cúpula da CUT formalmente se "solidariza" com o movimento, mas não está fazendo nenhum esforço para que a paralisação dê certo. Ao contrário, as entidades influenciadas pelo grupo do presidente da CUT, Luiz Marinho, como a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Seguridade Social (CNTSS), devem aderir apenas parcialmente.

      Na cabeça da articulação da greve estão os sindicatos de professores universitários (Andes), previdenciários (Fenasp), servidores do quadro geral (Condsef) e do Judiciário (Fenajufe), todos influenciados por correntes de esquerda do PT e pelo PSTU.

      Apesar das divisões internas, alguns sindicalistas acreditam que a indignação dos servidores com as mudanças acabe prevalecendo, já que nem os líderes contrários à greve tiveram coragem de defender sua rejeição na última plenária nacional. "Do jeito que está indo, as bases estão atropelando as direções", afirmou o vice-presidente do Andes, José Domingues.

Medidas preventivas
      Embora demonstre tranqüilidade, o governo tomou medidas preventivas para evitar surpresas, no caso de o movimento de paralisação dar certo: a Previdência Social, o setor mais sensível da administração federal, ganhou o reforço de 3.800 novos servidores (equivalente a 10% do quadro atual), que fizeram concurso em março e começaram a ser contratados de um mês e meio para cá. Os concursados seriam empossados de qualquer maneira, mas o governo pode acelerar o processo e até buscar 1.900 funcionários a mais, se precisar.

      Além de apostar no racha do movimento dos servidores contra a reforma, os líderes governistas no Congresso têm feito declarações agressivas em relação à greve. "Temos de pensar primeiro no povo. Felizmente, a opinião das entidades de servidores que querem a greve não é a mesma da sociedade brasileira, que deseja melhorias", disse o vice-líder do governo na Câmara, Professor Luizinho (PT-SP). "Por isso, o povo não concorda com a greve que está sendo anunciada por uma minoria", acrescentou.

Comando espera adesão de 40% dos servidores
      BRASÍLIA - O comando unificado de greve dos servidores federais será instalado hoje na sede da Coordenação Nacional de Entidades de Servidores Federais (CNESF), no Centro Comercial Conic, em Brasília. As lideranças do movimento esperam a adesão, nas próximas duas semanas, de 40% dos 800 mil funcionários da ativa da administração federal.

      Um dos líderes dos movimento, o sindicalista José Domingues Godói, afirmou ontem que o pedido de arquivamento da proposta de reforma previdenciária foi a principal forma encontrada pelos servidores para contestar o "modelo de Estado privado" defendido pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva. "Se retirar essa proposta (de reforma da Previdência), o governo estará mudando o rumo de sua política", disse. "O governo decidiu seguir o modelo de Estado adotado na gestão anterior", argumentou.

      O sindicalista avalia que não é só na área da Previdência que "o governo Lula trata as coisas como mercadorias". Segundo ele, nas áreas de energia, mineração, transportes, educação e saúde o governo também está seguindo a "cartilha" do presidente Fernando Henrique Cardoso.

      Em 2001, José Domingues Godói Filho foi um dos coordenadores da greve dos professores das universidades federais, paralisação que durou 109 dias e foi decisiva para minar as pretensões do então ministro da Educação, Paulo Renato Souza, nas eleições do ano seguinte.

      Segundo o sindicalista, as entidades de servidores públicos não se sentem constrangidas em iniciar uma greve contra o governo Lula. "O Andes, entidade que represento, não fechou posição a favor de Lula durante a campanha", disse. Godói Filho avisou que não há entendimento se a proposta de reforma previdenciária não for retirada da pauta do Congresso. "Não tem como negociar, pois o governo deixou claro que o núcleo da proposta não será modificado", ressaltou.

      A primeira paralisação por tempo indeterminado contra o governo Lula será coordenada por representantes de 11 entidades que integram a CNESF. Fazem parte do comando de greve representantes do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes); Sindicato Nacional dos Técnicos da Receita Federal (Sinasefe); Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social (Fenasps); Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Unafisco); Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef); Federação Nacional Dos Fiscais De Contribuições Previdenciárias (Fenafisp); Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal e do Tribunal de Contas da União (Sindilegis); Federação de Sindicatos de Trabalhadores das Universidades Brasileiras (Fasubra); Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social (CNTSS); Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e Ministério Público da União (Fenajufe) e Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Fundações Públicas Federais de Geografia e Estatística (Assibge).

Mais de 60 mil aderem à greve nas universidades federais

      BRASÍLIA - A maioria das seções do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), entidade que representa 65 mil professores universitários, decidiu aderir à greve dos servidores federais. Em assembléias realizadas no fim-de-semana, 31 seções aprovaram a paralisação das atividades por tempo indeterminado. Os docentes exigem a retirada da proposta de reforma previdenciária da pauta do Congresso.

      O movimento pode atingir universidades importantes, como as federais da Bahia, de Minas Gerais e de Pernambuco. Só as seções sindicais das federais de Goiás, Paraná, Rio Grande do Sul e Lavras (MG) e da Escola de Engenharia de Itajubá (MG) votaram contra a greve. Os docentes da federal do Pará também decidiram paralisar as aulas, mas em outra data.
"Já dissemos ao ministro Ricardo Berzoini (Previdência) que não tem como parar o movimento, a greve vai começar amanhã (hoje)", disse a professora Janete Leite, do comando do Andes.

      A última greve dos professores federais, ocorrida em 2001, durou 109 dias. Foi a mais longa da administração federal durante o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). À época, o comando do movimento já estava em atrito com a cúpula da Central Única dos Trabalha dores (CUT). Os grevistas argumentavam que a CUT não dava apoio à greve.