Institucional
       
     
 

03/12/2007 - Discurso

Bom dia, quero inicialmente agradecer a presença de todos. Sabemos que nessa época do ano o tempo de trabalho é precioso, mas tenho certeza de que valerá a pena.

A Delegacia Sindical do Unafisco é como que uma caixa de ressonância, o que acontece com os Auditores Fiscais repercute do outro lado da Debret. Assim como depositária das críticas tanto dos colegas de ponta como daqueles que estão nas funções de chefia a DS viu desenhar-se ante seus olhos um quadro de insatisfação e desconforto que ganhou em alguns pontos tons dramáticos. Percebemos então que não bastava nossa ação pontual, o diálogo caso a caso não impedia que os fatos se multiplicassem.

Foi assim que resolvemos buscar ajuda externa, uma visão científica capaz de dimensionar e caracterizar a situação que vivemos. Fizemos contato com a FGV e com a UERJ, mas terminamos por optar pela COPPE UFRJ onde encontramos o programa de engenharia de produção, que já havia realizado trabalhos anteriores nesta área, e trabalhos específicos com servidores públicos.

Destaco este fato pois é importante marcar o quanto o modelo de relações de trabalho do serviço público difere daquele da empresa privada. Quero para isto apresentar, rapidamente alguns pontos extraídos de artigo do Professor Alain Supiot da Universidade de Nantes, publicado em revista da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Intitula-se o artigo “A crise do espírito de serviço público”.

A distinção entre as relações de trabalho no serviço público e nas empresas privadas inicia-se pela natureza contratual desta enquanto é o conceito de estatuto que caracteriza o emprego a serviço do público. Enquanto o contrato permite que se faça do trabalho objeto de negócio, o estatuto, ao contrário, separa relações de trabalho da esfera comercial. O estatuto implica outra relação com o poder, o dinheiro e o tempo, com características próprias que vem a constituir o “espírito de serviço público' e institui uma moral profissional própria.

-A relação com o poder: não se reduz à relação entre o funcionário e a administração. Ela inclui o público a cujo serviço ambos se encontram. Os valores comuns a ambos transcendem a relação de poder entre eles. O funcionário não se subordina a uma pessoa e sim a uma organização e aos valores por ela encarnados. A dimensão coletiva do trabalho reveste-se de particular importância: a colaboração de todos em prol de um objetivo comum. Também na relação com o contribuinte não se pode ter a mesma lógica da empresa privada; o contribuinte não é cliente, ele é titular de direitos, e todos tem igualmente direito, exclusão e favoritismo não podem ser aceitos. Não podemos ter “clientes preferenciais”

-A relação com o dinheiro é também diferenciada. O salário exprime o valor de mercado do trabalho oferecido, enquanto que no serviço público falamos de remuneração e esta tem a característica de representar a contrapartida pelo compromisso da pessoa com o serviço público. Ela precisa ser suficiente para salvaguardar a dignidade e a integridade do servidor gerando a serenidade no exercício de seu cargo, de tal forma que seja o servidor preservado dos tormentos e dos apetites do espírito de lucro, assegurando o seu desinteresse pelos jogos do mercado.

- Por último a relação com o tempo. Enquanto o contrato de trabalho é marcado pelo signo do aleatório e do descontínuo, o estatuto é marcado pela continuidade. Assim o serviço público é marcado pelo princípio da estabilidade que corresponde ao de continuidade da relação de trabalho. Por sua vez a regra de aumentos por tempo de serviço visa dar um sentido ao futuro e compensar a renúncia à espera de ganhos, própria do mercado de trabalho.

Vemos assim que dignidade na relação com o poder, serenidade na relação com o dinheiro e continuidade na relação com o tempo resumem as características do espírito de serviço público que o distinguem tanto dos valores da esfera do mercado como dos da esfera política.

Com a exposição destes pontos proponho que a seguir, ao tomarmos conhecimento dos resultados da pesquisa realizada consideremos o quanto a insatisfação, desconforto e até sofrimento encontrados não se relacionam com a descaracterização das relações que descrevi, com os fatores que minam a dignidade da relação com o poder e a serenidade na relação com o dinheiro, e fragilizam a continuidade na relação com o tempo.

 

Rio de Janeiro, 3 de dezembro de 2007.

 

Vera Teresa Balieiro A. da Costa