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LIXO NORMATIVO
Lixo normativo é uma denominação abrangente, que pode englobar desde leis que fragilizam a atuação da Administração Tributária, no sentido, por exemplo, de premiar os maus contribuintes ou desonerar setores com grande capacidade contributiva, até normas que restringem a expressão individual ou a atividade sindical do AFRFB.
Exemplos dessas últimas são a Portaria SRF 695 , de 21/07/1999, e a Portaria RFB 1.143 , de 14/07/2008. A primeira, chamada Portaria da Mordaça, condiciona a participação dos auditores em cursos, eventos e palestras (na qualidade de expositores) à prévia autorização da Administração da Receita Federal. A segunda limita a participação do AFRFB em eventos realizados pelo Unafisco Sindical.
Aqui, entretanto, importa destacar as normas que cerceiam ou mesmo usurpam as atribuições legais do AFRFB, especialmente aquelas que transferem essas atribuições para os cargos de chefia.
MANDADO DE PROCEDIMENTO FISCAL (MPF) – Com uma simples Portaria (1265/99), a administração da Receita Federal subverteu a definição de “autoridade administrativa” prevista nos artigos 142 e 196 do Código Tributário Nacional (CTN). Tais artigos, combinados com outros dispositivos da legislação tributária e com o artigo 6º, inciso I, alínea a, da Lei 10.593/2002 (redação dada pela Lei 11.457/2007), confere tal autoridade ao Auditor-Fiscal. Entretanto, com o MPF, o detentor legal da atribuição de “ constituir o crédito tributário pelo lançamento” só pode agir “por ordem” do ocupante de cargo em comissão, que não detém tal atribuição, extrapolando os limites necessários para os controles e planejamento do órgão.
Em 2001, regulamentando (e extrapolando) o artigo 6º da Lei Complementar 105/2001, o Decreto 3.724 deu um up grade na cadeia normativa para o MPF, estabelecendo, inclusive, as “autoridades competentes” para emiti-lo, todos ocupantes de cargos em comissão. Contudo , a nova redação dada ao seu artigo 2º pelo Decreto 6.104/2007, ao transferir para ato do Secretário da RFB, por exemplo, a definição de tais autoridades (hoje, artigo 6º da Portaria RFB 11.371, de 12/12/2007), permite uma solução intermediária dentro do próprio órgão.
REGIMENTO INTERNO DA RFB – A transferência das atribuições dos Auditores-Fiscais para os cargos em comissão foi avançando através dos sucessivos Regimentos Internos do órgão, ainda que tal fato se relacione à edição de outras normas, como teremos a oportunidade de verificar. Se o último, aprovado pela Portaria MF 125 , de 04/03/2009, não prosseguiu neste caminho, também não reverteu a situação.
De acordo com o Parecer do Departamento Jurídico do Unafisco Sindical, de 30 de maio de 2007, a Constituição Federal restringe as atividades dos ocupantes de cargos em comissão ao desempenho das atribuições de direção, chefia e assessoramento, as quais dizem respeito ao gerenciamento e modernização da administração tributária, em caráter exclusivamente administrativo. Assim, várias atribuições conferidas aos ocupantes de cargos em comissão no capítulo IV (Das atribuições dos dirigentes), especialmente as previstas entre os artigos 261 e 285 e ressalvadas as dos artigos 289 a 292, podem estar eivadas de ilegalidade. No entanto, é necessário um estudo mais profundo para apontar quais dentre elas são atos parciais da esfera da competência legal do AFRFB.
Em alguns casos, porém, a ilegalidade é flagrante. Eis alguns exemplos:
. Artigos 280, inciso I; 283, inciso II e 285, inciso I – Enquanto o artigo 149 do CTN prevê que o lançamento do crédito tributário e a revisão de ofício são atribuições da mesma autoridade administrativa - que, segundo disposto em diversas legislações, é o AFRFB –, esses dispositivos do Regimento Interno incumbem aos Delegados e Inspetores-Chefes “decidir sobre a revisão de ofício, ...”
. Artigos 280, inciso VI; 283, inciso III e 285, inciso II – Em confronto com o artigo 6º, inciso I, alínea b, da Lei 10.593/2002 (redação dada pela Lei 11.457/2007), esses dispositivos do Regimento incumbem aos Delegados e Inspetores “decidir sobre a concessão de pedidos de parcelamento, sobre restituição, compensação, ressarcimento, reembolso, suspensão e redução de tributo”, com pequenas variações em função das especificidades da unidade da RFB, como é o caso da concessão de regimes aduaneiros especiais incumbida aos Inspetores-Chefes.
Dispositivos que possivelmente invadem as atribuições privativas dos AFRFB, mas que merecem um estudo mais profundo, são os incisos II e VII do artigo 280 do Regimento, os quais incumbem aos Delegados e Inspetores, respectivamente, “ decidir sobre a inclusão e exclusão de contribuintes em regimes de tributação diferenciados” e “decidir sobre o reconhecimento de imunidades e isenções”. Registre-se que esses são, entre muitos, apenas dois exemplos, que, inclusive, têm correlatos em outros artigos.
Já os artigos 272, 274, 278, 280, 283 e 284 prevêem, em algum de seus incisos (no 284, a previsão está no caput) e com pequenas variações, que compete a Delegados, Inspetores, Superintendentes e Coordenadores (Coana e Cofis) “autorizar ou determinar a execução de perícia e de diligências mediante a expedição de Mandado de Procedimento Fiscal.” Tais previsões relacionam-se ao disposto no artigo 6º da Portaria RFB 11.371, de 12/12/2007, que regulamenta o MPF.
Ainda quanto ao Regimento Interno, vale destacar o inciso XII do artigo 261, que incumbe ao Secretário da RFB “ autorizar a participação de servidores em conferências, congressos, cursos, treinamentos e outros eventos similares que se realizarem no País”, o que está relacionado à Portaria SRF 695, de 21/07/1999 (Portaria da Mordaça).
IN RFB 900/2008 – Essa norma, que substituiu e revogou outras IN, inclusive a 600/2005, apresenta vários problemas relativos especialmente à compensação de tributos, o que demanda uma revisão que vai além da questão das atribuições do AFRFB e envolve a própria segurança funcional e a proteção ao crédito tributário.
Assim como alguns dispositivos do Regimento Interno, os artigos 57 a 64 dessa IN estão em confronto com o artigo 6º, inciso I, alínea b, da Lei 10.593/2002 (redação dada pela Lei 11.457/2007). Com efeito, tais artigos concentram, conforme o caso, nos titulares de Delegacias e Inspetorias o poder de decisão sobre pedidos de restituição e ressarcimento, reconhecimento de direito creditório, compensação de ofício e homologação de compensação, além da competência para “considerar não declarada a compensação ou não formulado o pedido.”
IN SRF 264/2002 - ao arrepio da lei a que se vincula (9.532/97), pretende estabelecer que, nos procedimentos de arrolamento de bens, a autoridade administrativa é o detentor de cargo em comissão e não o AFRFB, como estipula o CTN em combinação com outras legislações.
IN SRF 106/1998 – Exclui o Auditor-Fiscal dos procedimentos de fiscalização aduaneira em períodos de anormalidade (leia-se greve). Essa IN é tão absurda e atenta tão gravemente contra a segurança nacional que não se tem notícia de sua aplicação concreta. Entretanto, ela não foi revogada pela IN SRF 79/2000, que declarou a revogação de diversas outras IN editadas entre 1969 e 1999. Ao contrário, ela foi convalidada, junto com outras tantas, pela IN SRF 85/2000. A alteração promovida pela IN 116/98 não foi substancial e, smj, a IN 106 está, pelo menos potencialmente, em vigor.
PORTARIA RFB 702/2008 – Essa portaria “Autoriza, em caráter temporário, a entrega, o embarque, a transposição de fronteira ou o desembaraço de mercadoria antes de concluída a conferência aduaneira, nas situações que especifica.” Parece ser uma nova forma da IN 106, pois suprime os procedimentos aduaneiros regulares, especialmente no caso de acúmulo de cargas. Mas, ela não revoga a IN 106.
IN SRF 680/2006 – Essa IN normatiza uma série de procedimentos. Os parágrafos 3º e 4º do artigo 29 permitem que a verificação física da mercadoria seja substituída por relatórios de outras “autoridades”, como a autoridade aduaneira do país exportador, bem como por imagens obtidas, por exemplo, por fotografias. Esses dispositivos parecem estar relacionados com a extinta MP 320/2006, a dos Portos Secos, que voltou a tramitar sob a forma de projeto de lei.
PORTARIAS SRF 967 E 968, DE 2006 – Referentes a procedimentos de licenciamento e rescisão de contratos para CLIAs, essas portarias regulamentavam previsões da extinta MP 320, a dos Portos Secos.
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O tema do lixo normativo exige um debate urgente e profundo. Mesmo alguns dos exemplos aqui apresentados talvez mereçam uma revisão mais apurada, com a participação de colegas com ampla experiência em cada um dos tópicos abordados. Questões como a Malha Fiscal, IN 111 e 114, ambas de 1998, são exemplos de outros tantos assuntos que devem ser incluídos. Por fim, as presentes considerações pretendem apenas contribuir para impulsionar a busca de medidas efetivas para reverter a gradual descaracterização da autoridade de agente de Estado do Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil.
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